domingo, 23 de dezembro de 2007

Mercado, progresso e fé.

O Papa Bento XVI publicou a segunda encíclica de seu pontificado: Spe salvi. Nela, entre outras coisas, levanta algumas questões que permeiam a vida no século XXI. Fala que o homem substituiu a “fé em Jesus Cristo” pela “fé no progresso”. Condena o marxismo, pois ele esqueceu do homem e de sua liberdade. Argumenta que o materialismo é o erro da teoria marxista, pois o homem não é só produto de condições econômicas e nem se pode curá-lo, do exterior, criando as condições materiais favoráveis.
E diz: “Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior, então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo”.
Nenhum reparo às suas afirmações.
O que as religiões não conseguem equacionar é o trinômio: mercado, progresso e fé.
A fé é a força interior que nos faz seguir, superar as dificuldades de qualquer natureza, ter esperança numa vida melhor e resistir aos infortúnios com resignação e humildade.
O progresso, independentemente de definição filosófica ou semântica, é o avanço contínuo da humanidade sobre o planeta.
E o mercado, a chamada mão invisível de Deus, no dizer de Adam Smith, é a força econômica que estrutura mais do que nunca, as ações humanas na era da globalização.
É o mercado que compra sentenças judiciais, que facilita a entrada de drogas e regalias em presídios, que fomenta o jogo e a prostituição, que regula salários, que desemprega e ao fazê-lo aniquila famílias, que gera a ganância, que corrompe estruturas políticas, que até negocia a liberdade.
Qual então o freio às ações do mercado? Como delimitar suas ações?
A construção de uma ética universal seria a resposta. E, neste caso, as religiões seriam forças auxiliares e fundamentais no exercício. Mas, para algumas religiões, legitimar a força do mercado é parte intrínseca ao credo.
As deformações cívicas dos tempos atuais, sobretudo no que se refere ao desemprego, à violência em suas variadas formas e a poluição ambiental são resultantes das forças de mercado. Como resistir aos apelos da propaganda que mostra corpos esculturais vendendo diversos produtos e norteia comportamentos desejáveis? Como educar e construir uma ética num mundo cuja função primordial tem sido estimular o consumo constante e crescente?
São estas questões que ocupam as mentes de certos economistas, filósofos, religiosos, educadores, cientistas e, até, políticos.
Não temos encontrado o ponto de equilíbrio entre crescimento e melhoramento das condições de vida.
Não temos conseguido subordinar o mercado a uma ética de solidariedade.
Talvez um susto de proporções planetárias obrigue a uma revisão total de nossa caminhada. Talvez a exaustão dos recursos naturais, talvez a exaustão do progresso. Talvez a renovação da fé.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Distanciamento humano

A inegável praticidade e a velocidade da comunicação pela utilização da Internet, o lado positivo da tecnologia, provoca também um distanciamento nas relações humanas. Sobretudo entre os internautas. As crianças, especialmente, aprendem a viver num mundo virtual onde o contato físico e a percepção dos sentidos básicos, sobretudo o tato, a fala e o olfato, são substituídos por palavras compactadas, imagens, símbolos e cores das fantásticas janelas dos computadores.

O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação e por isto, talvez, consiga suportar a evolução.

As sensações e as formas de expressão, inclusive a escrita, passam por transformações que ainda não podemos aquilatar.

Nas relações comerciais e profissionais em geral, além das facilidades da informática, percebemos um esfriamento nas trocas pessoais.

A crescente informatização das atividades humanas cria um novo controle, às vezes fatal, sobre o homem. Ou estamos no sistema ou fora dele.

Quando somos cadastrados em algum índex indevidamente, é necessário muito trabalho e paciência para tentar sair dele.

A autonomia humana vai diminuindo na medida em que gestores de inúmeros processos só podem autorizar operações previamente programadas pelo sistema.

Em diversas circunstâncias, muitos de nós já ouvimos a resposta terminativa: Lamento, mas o sistema não aceita. Ou, ainda, o sistema caiu.

E assim, a mercê do estéril sistema tornamo-nos números e senhas de um processo infindável de despersonalização.

Há casos absurdos em que o indivíduo apresenta-se ao vivo para qualquer operador de um sistema e, ainda assim, tem que provar com números ou senhas que ele é ele. O sistema não reconhece a persona. Apenas a personagem.

Não duvido que chegue o dia em que determinada pessoa precisando de socorro ou ajuda qualquer, e, por não estar cadastrada num sistema, não existirá. Consequentemente padecerá em seu infortúnio.

O afastamento do homem em relação à Natureza faz parte deste projeto digital onde o natural é substituído pelo artificial com enorme maestria.

Talvez o computador faça parte, inconsciente, da aceitação de uma artificialidade necessária à superação do processo de despersonalização por que passa a humanidade no início do século XXI.

Talvez os chamados excluídos digitais sejam, um dia, reconhecidos como não humanos, e, portanto, destituídos dos cuidados inerentes à vida.

Talvez, no futuro, o sistema não aceite os sem senhas...

terça-feira, 13 de novembro de 2007

S P Q R

Senatus Popolus Que Romanus representado pelas quatro letras do título deste artigo, e ainda hoje, gravadas em vários prédios públicos e nas tampas dos bueiros da capital italiana, resistem ao tempo e eternizam a glória das instituições daquele povo.

O Senado Romano era o símbolo do poder e a instância máxima entre os homens e Deus. Na República de Roma, até mesmo o imperador tinha que se submeter à vontade dos senadores.

Havia disputas políticas, traições e corrupção. Mas, a maioria de seus membros representava a dignidade dos cidadãos daquela época.

Ser senador era uma honra. Daí surgiu a palavra honorários, ou seja, o pagamento pelo trabalho realizado honradamente.

O Senado da República, em todas as épocas em que existiu foi sempre uma instituição respeitada e responsável pelo equilíbrio de poder dentro de qualquer governo. Nele estão os mais sábios, os mais sensatos e os mais experientes.

Mesmo aqui no Brasil, em passado não muito distante, tivemos personalidades memoráveis exercendo o mandato de senador. Homens públicos que recebiam seus honorários e trabalhavam pelos interesses da nação.

De repente, não se sabe exatamente por quais razões, o senado brasileiro virou um balcão de negócios.

Respeitando as exceções de sempre, e elas existem, nossos senadores se tornaram grandes conhecedores de genética bovina, especialistas em obras públicas, engenheiros de comunicação e mídia eletrônica.

A honra foi substituída pela ganância. A erudição e a ética foram trocadas pela safadeza.

A crise instalada dentro do Senado da República Federativa do Brasil é o retrato do caráter da maioria de nossos senadores. Uma imagem deprimente.

Aqueles que poderiam exercer a função política de guardiões de nossas instituições, que poderiam vetar atos do presidente, que poderiam censurar comportamentos dos magistrados, tornam-se figuras menores e desprovidas de qualquer autoridade moral.

Quanto vale um senador?

Uma pensão alimentar, uma bezerra desgarrada ou uma viagem ao exterior?

Na estabilidade comportamental de qualquer sociedade o exemplo tem que vir daqueles que a dirigem. Não há outra hipótese.

Ao observarmos o aumento da criminalidade e a completa subversão dos valores intrínsecos à atividade política, a mais digna das funções exercida pelos homens, deve-se perguntar se os responsáveis diretos não são nossos governantes, entre eles, nossos senadores.

Assim como o império romano ruiu por excesso de corrupção, falta de trabalho, enfraquecimento moral e crise de abastecimento, assim também, poderemos experimentar a falência total das instituições e a invasão dos bárbaros tal qual como aconteceu alguns séculos atrás.

Desconstrução

Estamos aprendendo a quantificar o movimento, chamado desenvolvimento, que aconteceu no planeta nos últimos cinqüenta anos. O primeiro fator, a triplicação da população mundial, passando de dois para seis bilhões de seres humanos.

Inegáveis avanços em todas as áreas do conhecimento, sobretudo nos transportes e comunicações. A medicina, ciência que trata da manutenção e do prolongamento da vida tornou-se mais eficiente.

A produção de bens materiais acompanhou o crescimento populacional, sem, no entanto, atingir a todos.

Os danos ambientais, decorrentes do vertiginoso crescimento populacional, da produção e do consumo estão aí, diariamente, para todos verem. Não há mais dúvidas de que somos finitos, assim como também, sabemos que não poderemos ter níveis consumo e utilização de recursos naturais iguais a determinadas sociedades, entre elas a norte-americana.

Por que então a agonia planetária?

O mercado global responde de forma diária, pragmática e incansável. O mundo está pronto, mas não há espaço para todos. Das dez milhões de famílias da classe média brasileira da década de oitenta, só restaram três milhões.

Para os recém formados na sociedade nacional, sessenta por cento das oportunidades de trabalho, pagam até três salários mínimos apenas. Apostamos num modelo de ensino privado que cobra para formar aquilo que o formado não irá receber. O mercado espreme a todos, silenciosamente.

Se pensarmos pela ótica da solidariedade humana, as grandes corporações são as instituições mais corruptas da atualidade. Elas vão se instalar onde a mão de obra é barata, onde a legislação ambiental não existe ou não é aplicada e onde há beneficio fiscal ou tributário. Quando, então, organizam um núcleo social razoável, com empregos, salários e estabilidade familiar, descobrem um novo nicho de pobreza, abandonam o local em que se instalaram e reproduzem o fenômeno. Correm atrás do lucro, ad eternum.

Como se não bastasse isso, são elas que conformam e confortam a classe política, em geral. E, exatamente aí, está o perigo da desconstrução.

O poder político fica submetido à vontade do mercado e a necessidade coletiva é relegada para outros planos.

A política deteriora-se, e com ela a sociedade.

Um exemplo clássico do que falo é o seriado “Amazônia”, mostrado recentemente pela televisão. Ali vimos o caráter de um homem de princípios e convicções, Chico Mendes, ser aniquilado pelos interesses da indústria látex.

Mas, o pior veio depois de sua morte. Seu exemplo, de lutas e consciência ambiental, foi dissolvido por algum José: Genoino ou Dirceu, pouco importa, já não faz muita diferença...


segunda-feira, 12 de novembro de 2007

The supermarket

Quando surgiu a palavra, provavelmente nos anos sessenta do século passado, foi para designar o centro de compras, coberto e climatizado, onde diversos produtos de diferentes origens podiam ser comprados pelos consumidores em geral. Para os norte-americanos, seus construtores, foi uma revolução no comportamento social. Sair de casa ou do trabalho dirigindo seus espaçosos e potentes automóveis para exercitar um novo verbo: go shopping.
E foi assim, exatamente assim, que a sociedade norte-americana invadiu o mundo ocidental. Introduzindo o conceito de supermarket. Hoje, até no Oriente este conceito conquista crescentes espaços.
Quem tem dinheiro participa desta nova sociedade de consumo. Quem não tem rouba, mata ou fica de fora. Os meios de comunicação, as mídias power, estimulam o consumo desvairado, criando conceitos como a satisfação ilimitada. Tudo agora tem que ser fashion. Não se sabe exatamente o que é isto. Mas, é importante sê-lo.
Em nome deste supermarket mudou-se a história do planeta. As tecnologias são usadas cada vez mais para incrementar o consumo desnecessário, ao invés de recuperar a sanidade ambiental.
A civilização global não sabe desfrutar aquilo que a natureza nos oferece. Ao contrário, a destrói cada vez mais rápido.
O capitalismo, sistema econômico baseado na sociedade centrada no mercado, expurga muito mais do que absorve.
Os que têm mais do que seus semelhantes isolam-se em fortalezas inexpugnáveis defendendo-se dos bárbaros: aqueles que não têm.
Não há uma intenção governamental de gerar oportunidades de trabalho e renda para os governados. Os governos, ditos modernos, seguem a mesma ética capitalista das empresas, a busca incessante pelos lucros.
Cabe então perguntar: Qual a lógica do mercado?
Diminuir para excluir ou aumentar para incluir?
O homem, perplexo, vê a ruína social e dela participa.
Primeiro criamos a sociedade descartável, agora a comunidade rejeitável.
Os que têm dinheiro e podem consumir não mais se interessam pelos outros, a não ser enquanto eles possam ser consumidores.
Para todo empreendimento faz-se a viabilidade econômica. The master plan.
Não se ouve mais falar em viabilidade humana.
A venda dos direitos de uso de cotas de carbono, o direito de comprar espaços para poder poluir em outros, e os termos de ajustamento de conduta, são dois dos mais recentes absurdos do chamado direito ambiental.
Todo o humanismo é comercializável.
O mercado criou a idéia de que não há limites para a satisfação. Talvez, e não por acaso, Mick Jagger seja um dos ícones da segunda metade do século XX, quando canta: I can get no satisfaction...

A escala humana

A escala humana é a medida matemática necessária ao entendimento das formas pelas quais os homens podem e devem ocupar os espaços: a volumetria. Um homem pode medir até dois metros de altura.
Ao longo da história da civilização, as obras monumentais foram e são referências arquitetônicas para a humanidade. A Acrópole em Atenas, o Coliseu em Roma e a Muralha da China entre outros. As cidades-estado, assim como os pequenos burgos eram construções horizontais. Algumas nas planícies, outras nas encostas das montanhas ou à beira dos rios, lagos e mares.
Até o inicio do século 20, vivíamos dentro da escala humana, no que se refere às formas de habitação e consumo de bens duráveis.
Porém, na medida em que a engenharia possibilitou a construção vertical, contribuiu decisivamente para os chamados aglomerados urbanos.
Na Europa, certamente por razões de conservação do patrimônio histórico e arquitetônico, a verticalização das construções não proliferou tanto quanto nas Américas e em algumas regiões da Ásia. É nítida a diferença entre Londres, Paris, Madrid ou Atenas, de um lado, e do outro, Nova York, São Paulo, Buenos Aires (em parte), Singapura, Hong Kong ou Tókio.
O fato é que com ou sem a verticalização nas construções, as cidades cresceram, algumas se tornaram metrópoles, onde a impessoalidade, a violência, o confinamento e o concreto são características marcantes.
A explosão demográfica ocorrida nos últimos cinqüenta anos, com a triplicação da população mundial foi um fator decisivo para a constituição destes núcleos hiper povoados.
Vários arquitetos, sociólogos e planejadores urbanos tentam amenizar a vida nas cidades. A revitalização urbana com animação e motivação das comunidades dos bairros das polis é a palavra de ordem.
De um lado, há um clamor generalizado pela simplicidade de viver e pelo reencontro com a natureza.
Do outro, o mercado, através da mídia, impõe novos conceitos de consumo, postura e lazer. São, por exemplo, os novos prédios verticais com áreas de uso exclusivo de até duzentos metros quadrados, com varandas e churrasqueiras onde não cabem mais do que cinco pessoas. É a chamada casa de campo no oitavo andar.
Quando nos demos conta do chamado progresso urbano ocorrido a partir da segunda metade do século 20, descobrimos que havia habitantes solitários das mega-cidades vivendo em maciços de concreto de até setenta metros de altura, quase todos em regime de confinamento espacial.Percebeu-se que estávamos fora da escala humana e que várias das neuroses, entre elas a solidão, eram decorrentes daí. A humanidade, então, passou a dormir com um desejo inconsciente: “Talvez um dia você encontre meu rosto no meio da multidão”.

Eco-Money

Há cinqüenta anos, no início da segunda metade do século XX, quando íamos às praias ainda selvagens do litoral brasileiro, dizíamos: só tem “mato” e estradas “sujas”, por serem empoeiradas ou enlameadas, dependendo dos dias ensolarados ou chuvosos. Não sabíamos, então, o que significava de fato o “mato” e a “sujeira”.
Acelera-se a urbanização do país, a indústria automotiva começa a tomar corpo, as classes média e alta querem residências de praia com jardins gramados e estradas pavimentadas, para usufruir as delícias do verão. Este era o sonho dourado dos anos sessenta e setenta para uma pequena parte dos brasileiros cujas famílias podiam tirar férias do Natal ao carnaval.
As cidades foram crescendo e produzindo o caos urbano, desde os engarrafamentos no trânsito até os assaltos à mão armada ou às balas perdidas.
Algumas pessoas procuraram o litoral para tentar uma nova proposta de vida. A questão ambiental passou a integrar a pauta do chamado mundo civilizado e as praias cercadas de “mato” e “sujeira”, incorporaram um valor monetário crescente.
Descobrimos que o “mato” era a mata atlântica e que as ruas não pavimentadas e “sujas” podiam significar tranqüilidade e paz.
O mercado imobiliário enxergou novos potes de ouro nas pontas deste arco-íris.
Paralelamente ao nascimento de uma legislação “verde”, surgiram as empresas especializadas nos licenciamentos ambientais e, consequentemente, as câmeras e prefeituras municipais passaram a sofrer diferentes pressões para consentirem na ocupação máxima do solo.
Estava criado o cenário para as operações financeiras do Eco – Money.
No início deste ano, Florianópolis – a ilha capital do estado de Santa Catarina, belíssima por suas praias e lagoas foi palco da operação deflagrada pela Policia Federal, denominada “Moeda Verde”.
Esta semana, no litoral sul fluminense, especialmente em Angra dos Reis, vemos outra operação com as mesmas características daquela.
Empresários do ramo imobiliário, vereadores, prefeitos, funcionários públicos de órgãos de licenciamento ambiental e empresas de consultoria da área verde, todos entrelaçados num processo de corrupção vendendo o que resta das reservas naturais.
Não sabem, ou pior, sabem, mas não se importam com a degradação da faixa litorânea brasileira, uma das mais aprazíveis do planeta.
Deveriam observar que a atividade turística instalada nestes pequenos paraísos naturais está diretamente relacionada à sanidade ambiental e a um modo de viver que inclui, necessariamente, formas mais orgânicas na organização social.
A ocupação sem critérios ecológicos destes valiosos enclaves na orla subtropical vai provocar cenários de “mato” e “sujeira”, aí sim, como nunca vimos antes.
E quem sobreviver, verá...

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O jornal

A história do jornal começa, no Ocidente, com a Acta Diurna criada pelo imperador Julio César, no ano 59 antes da era cristã, para informar aos cidadãos sobre os acontecimentos políticos, sociais, escândalos, julgamentos e execuções. As Actas eram escritas em grandes placas brancas e expostas em locais públicos, como as termas de Caracala, a fim de dar ciência ao povo sobre os fatos da vida romana.
No Renascimento, em 1556, o governo de Veneza, publicou a Notizie Scritte, que custava uma moeda denominada “gazzeta”. Talvez uma forma de dar apenas uma versão aos fatos da vida renascentista.
Danton, um dos formuladores da Revolução Francesa, imprimia folhas com conteúdos revolucionários e as colava nas paredes dos prédios de Paris.
Originada na palavra francesa “jour”, que significa dia, nascia o “journal” diário.
Com o surgimento do estado moderno (1789), dividindo o poder político em três funções: executiva, legislativa e judiciária, a imprensa teria uma função primordial de fiscalização dos atos do governo, tornando-se um poder paralelo ao poder do estado. Até hoje é assim.
A imprensa tem em sua essência um poder político fundamental à organização social. Não é licito, contudo, confundir o poder político intrínseco com política partidária. Exatamente aí nasce a liberdade de imprensa, quando ela não confunde o seu conteúdo político com a expressão partidária.
No recém vivido século XX, a imprensa evoluiu para outras formas de comunicação, incorporando o rádio e a televisão ao seu arsenal de divulgação dos fatos interessantes à vida social. No início deste terceiro milênio, a Internet passa a ser mais uma forma de noticiar.
A explosão populacional e a expansão do mercado, acontecidas nos últimos cinqüenta anos, induzem às grandes tiragens e, consequentemente, ao jornal de ampla circulação. Os jornais, então, passam a vender mercadorias e serviços diversos, além das notícias.
Entretanto, recentes estudos apontam à diminuição do número de leitores destes veículos de circulação nacional. De um lado pelo avanço das novas mídias, especialmente a televisão e a Internet, e de outro, pela distância crescente entre os fatos acontecidos nas diversas comunidades da aldeia global e a publicação de assuntos nacionais ou internacionais.
O jornal de grande circulação se afasta do cotidiano da polis.
Coincidentemente ao nascimento do partido verde alemão, com seu conhecido lema: Think global, act local – pensar global, agir local – surgem os jornais regionais com a mesma finalidade.
O jornal regional também divulga os acontecimentos nacionais e internacionais, mas, principalmente, retrata os fatos da vida regional. Ele está mais próximo do cidadão, ele abre espaços para as opiniões locais, ele enfrenta e fiscaliza os poderes municipais. Ele é o reflexo político da vida das vilas. Os jornais regionais garantem a liberdade de expressão de seus leitores e funcionam como promotores da legalidade republicana por onde circulam.
Por isto, terão vida longa.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O tempo e o nada

A nossa percepção do tempo é cada vez mais instantânea. A fartura tecnológica dos anos mais recentes coincide com a vitória do regime capitalista sobre as alternativas socialistas. O mercado e a tecnologia são parceiros inseparáveis e se multiplicam incansavelmente. Um supera ao outro constantemente. Inventam-se o CD e o DVD, por exemplo, para em seguida surgirem indústrias “piratas” oferecendo os mesmos produtos por preços cada vez menores. Não há limites para o desenvolvimento tecnológico. Assim como não há fronteiras, internas ou externas, para as ações do mercado. O comércio mundial de armas e de drogas entorpecentes prova a afirmação.
O fenômeno da urbanização no planeta acontece a partir da segunda metade século XX, especialmente provocado pela explosão populacional.
Nos Estados Unidos da América ele decorre dos avanços tecnológicos introduzidos no campo, deslocando para as cidades massas de recém desocupados que procuram ser novos empreendedores. Na América Central e do Sul porque o campo não conseguiu abrigar aos que precisavam dele. Na Europa, a urbanização é menos violenta, pois a atividade agrícola é mais antiga e, consequentemente, melhor integra a tradição do homem europeu. Na Ásia, especialmente na Índia e na China, suas populações estão espalhadas pelos respectivos territórios. As concentrações urbanas de Pequim, Xangai, Nova Delhi ou Mumbai decorrem da ilusão de que nas cidades grandes haverá trabalho para os que dele necessitam. Bangalore, na província de Karnataka, no sul da Índia, é a mais recente ilha de prosperidade daquele povo que passou do artesanato para a cibernética sem conhecer os mecanismos da chamada revolução industrial.
O mercado e a tecnologia impõem à humanidade a pressa, mola mestra da competição. A velocidade das comunicações transforma a percepção de todos nós. Alguns estudos mostram que os jornais impressos perdem leitores para outras mídias, entre elas a televisão e a Internet.
As pessoas pensam que não têm mais tempo disponível para o estudo, a informação e a reflexão. São induzidas pelas mídias eletrônicas a sintetizarem sua compreensão sobre o mundo e sobre suas vidas. Ao mercado e a tecnologia não interessam comportamentos reflexivos.
A reflexão em larga escala pode contribuir para uma reavaliação na aquisição de vários produtos. Quantos não deixariam de trocar seus aparelhos de telefonia celular anualmente? Quantos não esperariam mais anos para substituir o automóvel da garagem? Quantos não usariam suas roupas por um tempo mais longo? Quantos não recuperariam seus móveis e outros utensílios domésticos legando-os aos seus sucessores? Quantos não freariam suas compulsões de consumo?
Uma das contradições da globalização é esta: Não há mais tempo para o nada. Não fazer significa não existir. Não consumir significa não ser. O mercado global impõe a todos nós um constante mercadejar. Temos que comprar ou vender alguma coisa diariamente, até para poder sobreviver.
Não é admissível socialmente passar algum tempo sem consumir. Primeiro porque denota incapacidade financeira, segundo porque denota ausência.
É como se o tempo e o nada não integrassem o espectro humano...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A teoria de Luzerna

A teoria de Luzerna foi concebida na década de oitenta do século XX. Ela é uma reformulação da teoria de Thomas Malthus, conhecida a partir de 1798, onde o confronto entre crescimento populacional e a produção de alimentos se estabeleceu, do ponto de vista teórico, pela primeira vez.
Agora, no inicio do século XXI, é preciso considerar outras variáveis. São quatro: o tamanho do planeta Terra, a explosão populacional, a utilização dos recursos naturais e, finalmente, a geração de todas as formas de lixo ou poluição.
A primeira variável, a Terra, é fixa. Ela não se expande, permanece constante em seu tamanho.
A segunda variável, a população, é crescente. Somente nos últimos cinqüenta anos triplicamos o número de habitantes do planeta, chegando aos 6,7 bilhões de pessoas.
A terceira variável, os recursos naturais, é decrescente na medida em que são utilizados para atender à demanda da população mundial.
A quarta variável, o lixo, é também crescente, pois, resulta do consumo de todos os produtos utilizados pelos seres humanos.
Este quadro, a continuar neste passo, é estrangulador.
Sabemos que dos recursos naturais existentes, os únicos renováveis, são as florestas e os animais, portanto, flora e fauna. Todas as outras jazidas naturais são finitas. A água potável também, ainda que reciclada natural e constantemente sob a forma de evaporação e chuvas.
Sabemos, também, que as leis da termodinâmica ensinam que toda energia do planeta é constante e que não pode ser criada, mas, apenas transformada de um estado para outro. O sol, os ventos, a força das águas, o carvão, o petróleo e o urânio, por exemplo, são formas energéticas que se transformam em outras, como energia solar, eólica, hidráulica, termoelétrica, combustível e nuclear. A segunda lei ensina que toda energia encontra-se em estado de baixa entropia, e uma vez utilizada, dissipa-se para um estado de alta entropia. E nesta dissipação perde-se energia.
Não bastassem estes fatores, temos ainda que considerar a ação do mercado, instituição econômico-financeira global, que atua como um fomentador do consumo de bens e produtos e a necessidade de geração de trabalho e renda para nós, seres humanos.
A teoria de Luzerna insinua que a sobrevivência do planeta, das espécies animais e florais e dos humanos só encontrará salvação pela alteração dos vetores de três das variáveis acima enumeradas.
Há que se reverter o crescimento populacional em alguns países, há que se praticar todas as formas de repovoamento de fauna e flora e há que se reciclar todas os materiais possíveis.
Estamos próximos da exaustão global, não temos conseguido gerar trabalho para todos e, simultaneamente, manter a sanidade ambiental para os habitantes da Terra. Eis a questão.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

O sentido da existência

Supridas ou não as necessidades materiais, todos procuramos um sentido para a existência. Alguns o encontram na construção da riqueza, outros no exercício da caridade, no amor ou até mesmo na criminalidade. Em alguns casos, em mais de uma dimensão, simultaneamente. Afinal, o ser humano é holístico.
O peso da existência é, sem dúvida, o fardo maior de cada ser humano. Encontrar seu sentido, em contrapartida, é experimentar a maior das alegrias: o alívio de viver. Porém, somente no exercício do trabalho, nós podemos encontrar este sentido necessário e vital.
Paradoxalmente, vivemos na era pós-industrial um retrocesso moral e ético sobre o sentido de nossas existências.
Do ponto de vista ambiental somos uma população crescente que degrada o meio ambiente ao invés de usufruí-lo adequadamente. As grandes cidades, produtos resultantes da revolução industrial, são cânceres urbanos sem possibilidade de cura. Bolsões de pobreza e de criminalidade nelas incrustados são fenômenos irreversíveis na chamada evolução humana.
Do ponto de vista da ocupação remunerada, o trabalho, temos sido incompetentes para abrigar todos os que precisam garantir a sobrevivência.

Natureza e trabalho são, portanto, as duas grandes preocupações do século XXI.

Não podemos, ainda, dizer que sem equacionar estas duas variáveis teremos um planeta inviável. Não conhecemos nossa capacidade de suportar ambientes insanos e massas de desempregados, tirando uns dos outros, espaços saneados e bens de sobrevivência, entre eles, a água potável.
Sabemos, porém, que o sentido de nossa existência está inexoravelmente lastreado no trabalho e sanidade ambiental.

A solução para este impasse talvez possa surgir do reordenamento moral e ético das pequenas cidades, que incorporariam os recursos da tecnologia mais atualizada e reconstruiriam, pelo exercício da política, um cenário de absorção para todos os que têm o direito de trabalhar.
Mais do que as religiões que são formas de compreensão do fenômeno humano, de aceitação da dor e de abnegação, o trabalho é a fonte da libertação, do desenvolvimento emocional e da união entre os homens. Somente o trabalho organiza e mantém a sociedade.

Depois de aproximadamente 10 mil anos de sobrevivência baseada na agricultura, 200 anos apenas de revolução industrial, parece ter chegada hora da revolução ambiental. Com ela a humanidade encontraria trabalho para todos e curaria a Terra de suas chagas. Conseguiríamos, duplamente, dar um sentido às nossas existências.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Passando a régua

A votação que absolveu o senador Renan Calheiros das acusações escancaradas pela imprensa nacional tem um tempero especial na história da recente democracia brasileira, reabilitada em 1989, após o golpe militar de 1964. Indica que o Brasil ainda é um país muito corrupto, especialmente na constituição de sua classe política.
Embalados pela necessidade de ascensão social, na maioria dos casos, nossos representantes vêem na atividade política uma forma de enriquecimento rápido.
De outro lado, aqueles que são herdeiros de patrimônios políticos se corrompem para garantir a manutenção e a transmissão do poder aos seus sucessores.
Outros que chegaram ao poder em nome da decência e da transparência, agora envergonhados, admitem pela omissão ou pela abstenção que não estão convencidos da culpabilidade do senador alagoano.
Ora, o julgamento do plenário do Senado da República não era um julgamento baseados nos códigos constitutivos da ciência do Direito. Tratava-se de um julgamento político. O que estava em discussão era a conduta política do senador e não suas atitudes pessoais julgadas sob a ótica do direito civil ou penal. O plenário votou por sua absolvição porque a maioria de seus membros está acorrentada às práticas de corrupção.
Não bastam os honorários, as facilidades operacionais intrínsecas aos seus gabinetes de trabalho, suas assessorias de livre nomeação e, sequer, o valor da honra do cargo mais nobre da República.
Um senador é um guardião dos interesses da pátria e de seus cidadãos.
O que aconteceu em 12 de setembro de 2007 é mais uma mancha na história da política brasileira. O exemplo dado, sobretudo aos mais jovens, é o de que não vale a pena acreditar na decência, na retidão, na ética e na honra.
Mas, o pior desta lamentável votação é a postura de partidos que fizeram parte da redemocratização nacional, após 1979, quando ocorreu a anistia no Brasil.
O PMDB e o PT foram dois dos partidos que empolgaram multidões fazendo crer na possibilidade de uma vida institucional estável, de práticas políticas mais dignas e da recuperação do sentimento de justiça e honestidade entre os brasileiros.
A eleição presidencial de 1989, aquela em que Fernando Collor derrota um líder sindical, coincide com a queda do muro de Berlin e, consequentemente com a vitória do mercado sobre o estado. Os atuais democratas, sucessores travestidos dos liberais, são hoje esmagados pelas mesmas práticas corruptas que no passado recente tanto indignava os atuais donos do poder.
A política nacional, hoje, é um balcão de negócios menos ético do que os balcões dos armazéns anteriores à globalização. Sendo que estes existiam para praticar atos de comércio, enquanto ela deveria existir para construir um país mais decente e capaz de melhorar a vida de seus cidadãos.
A política também foi engolida pelo mercado. E o mercado não tem responsabilidades com os cidadãos. Apenas, quando tem, com os consumidores.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Unknown

O homem nunca soube nada sobre o futuro. Por isto, os oráculos sempre foram consultados na tentativa de amainar as dúvidas e angústias sobre o amanhã.
Na história da civilização ocidental, ouso dizer que a fração mais livre e esperançosa da humanidade viveu na década de setenta do século XX.
Apesar do medo da guerra atômica e da guerra do Vietnam, nós ocidentais, vivemos um período de avanços tecnológicos combinados com a possibilidade da organização social harmônica, simultaneamente à possibilidade da sanidade ambiental do planeta. Talvez, a social democracia européia fosse o fator político responsável por este equilíbrio entre vida e esperança. Os escandinavos, nós sabemos, conseguiram erradicar a pobreza em suas sociedades.
Entre o surgimento do liberalismo econômico de Adam Smith, em 1776, passando pela proposta comunista de Karl Marx, em 1848, sua implantação em 1917 por Lênin e sua derrocada em 1989, em Berlin, passaram-se apenas 231 anos. Quase nada na história ocidental.
A globalização surge após a queda do comunismo como proposta de uma sociedade mais eficiente, organizadora de um mercado global que absorveria todos os cidadãos.
Contudo, o que temos visto é um crescimento exponencial do mercado financeiro, sem o lastro físico correspondente. Alguns economistas falam na circulação de títulos de crédito na economia mundial numa quantidade equivalente a cinco vezes a produção física do planeta.
Além disto, a entrada de mais de dois bilhões de habitantes, chineses e indianos, neste mercado único, provocará um impacto ainda não conhecido.
Sabe-se apenas, pela lógica capitalista, que o excesso de mão de obra causará uma redução, ainda maior, no valor dos salários pagos ao redor do globo.
Outro fator a ser considerado, é a pulverização do capital que sai do controle dos indivíduos e passa a ser gerido por fundos de pensão, seguradoras, bancos e congêneres. Estes jovens gestores têm compromissos com metas pré-estabelecidas e que se não forem atingidas, significam suas demissões.
Este tipo de gerência financeira é mais um fator de afastamento entre a riqueza material e o bem estar do ser humano.
Outra faceta sobre a qual nada se sabe é o encontro entre o Ocidente e o Oriente. Pela primeira vez na História vamos presenciar esta fusão de culturas, religiões e intenções políticas.
Qual será o idioma de comunicação planetária? Qual será a moeda que regerá o comércio mundial? Que autoridade irá impor as regras de preservação e conservação ambiental?
Uma variável é dedutível: a expansão do capital será constante e ele, cada vez mais, dirá à classe política para que rumo seguir.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Crematorium

Observando a expansão da sociedade global e seus mecanismos de crédito e financiamento, tenho feito algumas reflexões sobre as novas teorias organizacionais, entre elas as conhecidas “terceirização” e a “fidelização”.
O mercado, instituição suprema do inicio do século 21, conseguiu transformar em verbos um número e um adjetivo.
O sistema precisa, crescentemente, da maior quantidade possível de clientes. Na medida em que cada ser humano passa ter um pouco mais de renda, é envolvido numa rede de consumo, tornando-se escravo cativo dela.
São as contas mensais de luz, água, telefonia fixa e móvel, provedor de Internet, canais de televisão por assinatura, sistemas de vigilância, taxas de manutenção de contas bancárias, prestações da casa própria e do automóvel, impostos diversos; seguro de vida, do imóvel e outros. Enfim, o cardápio de obrigações da sociedade do crédito.
Não bastassem as senhas, os códigos de acesso e outras formas de despersonalização, constituímos parte de uma multidão dissipada dentro dela.
Ao sistema só interessa aqueles que têm capacidade de consumir.
Pretender cancelar alguns dos serviços acima enumerados significa submeter-se ao martírio que nos impõem programas pré-concebidos que não podem perder nenhum de seus usuários. Aliás, a sobrevivência deles, depende de nós.
Os critérios utilizados para admirar um ser humano passaram a ser tão argentários que as qualidades pessoais são recodificadas em cifras ou acumulação patrimonial.
Alguns bancos, por exemplo, possuem um sistema de alerta na aferição diária dos depósitos para que quando determinado cliente deposite uma quantia superior a um limite pré-estabelecido, a gerencia possa ser imediatamente notificada a fim de que o gerente convide o correntista para almoçar.
Na medida em que avançam estes comportamentos utilitaristas, quase todos falseados por um sorriso amigo, que também faz parte do sistema de cooptação, os homens afastam-se uns dos outros e legitimam a sociedade dos consumidores sem personalidade.
Não duvido que dentro de algum tempo, quando o sistema não mais suportar os desocupados, improdutivos e sem capacidade de consumo, passe a considerá-los como óbices à harmonia social.
Então, sem ter onde colocá-los ou aproveitá-los, e para que não prejudiquem o bom funcionamento da engrenagem capitalista, talvez uma das soluções seja queimá-los.
É mais barato, não ocupa espaço e não deixa vestígios...