domingo, 23 de dezembro de 2007

Mercado, progresso e fé.

O Papa Bento XVI publicou a segunda encíclica de seu pontificado: Spe salvi. Nela, entre outras coisas, levanta algumas questões que permeiam a vida no século XXI. Fala que o homem substituiu a “fé em Jesus Cristo” pela “fé no progresso”. Condena o marxismo, pois ele esqueceu do homem e de sua liberdade. Argumenta que o materialismo é o erro da teoria marxista, pois o homem não é só produto de condições econômicas e nem se pode curá-lo, do exterior, criando as condições materiais favoráveis.
E diz: “Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior, então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo”.
Nenhum reparo às suas afirmações.
O que as religiões não conseguem equacionar é o trinômio: mercado, progresso e fé.
A fé é a força interior que nos faz seguir, superar as dificuldades de qualquer natureza, ter esperança numa vida melhor e resistir aos infortúnios com resignação e humildade.
O progresso, independentemente de definição filosófica ou semântica, é o avanço contínuo da humanidade sobre o planeta.
E o mercado, a chamada mão invisível de Deus, no dizer de Adam Smith, é a força econômica que estrutura mais do que nunca, as ações humanas na era da globalização.
É o mercado que compra sentenças judiciais, que facilita a entrada de drogas e regalias em presídios, que fomenta o jogo e a prostituição, que regula salários, que desemprega e ao fazê-lo aniquila famílias, que gera a ganância, que corrompe estruturas políticas, que até negocia a liberdade.
Qual então o freio às ações do mercado? Como delimitar suas ações?
A construção de uma ética universal seria a resposta. E, neste caso, as religiões seriam forças auxiliares e fundamentais no exercício. Mas, para algumas religiões, legitimar a força do mercado é parte intrínseca ao credo.
As deformações cívicas dos tempos atuais, sobretudo no que se refere ao desemprego, à violência em suas variadas formas e a poluição ambiental são resultantes das forças de mercado. Como resistir aos apelos da propaganda que mostra corpos esculturais vendendo diversos produtos e norteia comportamentos desejáveis? Como educar e construir uma ética num mundo cuja função primordial tem sido estimular o consumo constante e crescente?
São estas questões que ocupam as mentes de certos economistas, filósofos, religiosos, educadores, cientistas e, até, políticos.
Não temos encontrado o ponto de equilíbrio entre crescimento e melhoramento das condições de vida.
Não temos conseguido subordinar o mercado a uma ética de solidariedade.
Talvez um susto de proporções planetárias obrigue a uma revisão total de nossa caminhada. Talvez a exaustão dos recursos naturais, talvez a exaustão do progresso. Talvez a renovação da fé.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Distanciamento humano

A inegável praticidade e a velocidade da comunicação pela utilização da Internet, o lado positivo da tecnologia, provoca também um distanciamento nas relações humanas. Sobretudo entre os internautas. As crianças, especialmente, aprendem a viver num mundo virtual onde o contato físico e a percepção dos sentidos básicos, sobretudo o tato, a fala e o olfato, são substituídos por palavras compactadas, imagens, símbolos e cores das fantásticas janelas dos computadores.

O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação e por isto, talvez, consiga suportar a evolução.

As sensações e as formas de expressão, inclusive a escrita, passam por transformações que ainda não podemos aquilatar.

Nas relações comerciais e profissionais em geral, além das facilidades da informática, percebemos um esfriamento nas trocas pessoais.

A crescente informatização das atividades humanas cria um novo controle, às vezes fatal, sobre o homem. Ou estamos no sistema ou fora dele.

Quando somos cadastrados em algum índex indevidamente, é necessário muito trabalho e paciência para tentar sair dele.

A autonomia humana vai diminuindo na medida em que gestores de inúmeros processos só podem autorizar operações previamente programadas pelo sistema.

Em diversas circunstâncias, muitos de nós já ouvimos a resposta terminativa: Lamento, mas o sistema não aceita. Ou, ainda, o sistema caiu.

E assim, a mercê do estéril sistema tornamo-nos números e senhas de um processo infindável de despersonalização.

Há casos absurdos em que o indivíduo apresenta-se ao vivo para qualquer operador de um sistema e, ainda assim, tem que provar com números ou senhas que ele é ele. O sistema não reconhece a persona. Apenas a personagem.

Não duvido que chegue o dia em que determinada pessoa precisando de socorro ou ajuda qualquer, e, por não estar cadastrada num sistema, não existirá. Consequentemente padecerá em seu infortúnio.

O afastamento do homem em relação à Natureza faz parte deste projeto digital onde o natural é substituído pelo artificial com enorme maestria.

Talvez o computador faça parte, inconsciente, da aceitação de uma artificialidade necessária à superação do processo de despersonalização por que passa a humanidade no início do século XXI.

Talvez os chamados excluídos digitais sejam, um dia, reconhecidos como não humanos, e, portanto, destituídos dos cuidados inerentes à vida.

Talvez, no futuro, o sistema não aceite os sem senhas...