segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Feliz Natal e 2009 pleno


“É triste o olhar do viajante, pois ele sabe que o mundo começou sem o homem e terminará sem ele”. (Lévi-Strauss).


Aproveita, então, para viver e amar: é a tua única chance na condição de humano...



un peu plus loin que l’infini

Um olhar sobre o século XX


Provavelmente nós que nascemos na década de cinqüenta do século passado vivemos a melhor juventude da era moderna.
Não sofremos os traumas do pós-guerra vivido, sobretudo na Europa. Não fomos vítimas da repressão sexual e pressentimos a era de Aquário sem a mera ilusão. Incorporamos a moda das calças de cintura baixa com boca de sino, dos cabelos compridos, da bandana na testa, da flor na orelha e da jaqueta de general, embora vermelha...
Brilho nos olhos, sorriso nos lábios e o rosto exposto ao vento e ao sol da alegria do pré-verão contagiava nós todos. De “help me to get my feet back on the ground”, passando por “olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina, que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar”, até “No woman no cry – Oh, good friends we’ve lost, along the way, in this great future, you can’t forget your past, so dry your tears, I say”.
Havia uma esperança no ar, havia propósito na ação, havia vontade de reunião: nós queríamos nos encontrar para rir, falar e sonhar...
Uns fumavam baseados na ampliação, outros cheiravam a pureza que vinha da folha da coca, sob a luz de velas, ouvindo suavemente a Dionne Warwick cantar “Walk on by”, sem muita agitação...
O tempo era mais elástico, menos cronológico. Não por acaso se dizia: esta noite vamos esticar até mais tarde...
As marcas representavam as duas ideologias: a foice e o martelo da URSS, a estrêla vermelha da boina do Che Guevara, as letras inclinadas da Coca-Cola, o cavalinho da Ferrari ou o Lee das calças jeans. Nós ainda discutíamos qual deveria ser o caminho para a humanidade. A ecologia começou a entrar na pauta: “Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais, e tenha somente a certeza, dos amigos do peito e nada mais”.
As mulheres, lindas e formosas, jovens ou maduras, usavam perfumes de acordo com suas características. Podia ser uma essência de gerânio, gardênia, flor de laranja ou patchouli.
Nossos pais escutavam Frank Sinatra cantar: “I did it my way”. Éh, naquela época as pessoas ainda tinham o seu próprio jeito de fazer as coisas. Não estávamos padronizados nem pela altura dos botões do paletó dos ternos escuros, sobre camisas opacas com gravatas sem cor. Não havia “download”, nem “blog” ou “pen drive” para tentar transformar o homem num ser indolor.
O Taiguara cantava e dizia sobre o cheiro do amor. Al Pacino representava o cego que sentia o perfume de mulher. Pelé fazia mil gols, depois de ter sido tri-campeão nos campos internacionais. Big Boy era o locutor das madrugas cariocas da rádio Mundial. Armando Nogueira escrevia no Jornal do Brasil a coluna mais poética do futebol. A Boeing lançava o Jumbo 747. Os carros da GM eram os mais vendidos no planeta. Carlos Castañeda fumava a erva do diabo e dizia: “Esteja alerta a cada segundo. Não permita que nada nem ninguém decida por você”. Nós vivíamos tempos de referências. Os que venciam usavam mais o talento do que o juízo. Não era preciso lograr.
Andy Warhol previa que alguns teriam 15 minutos de fama. Hoje não se tem nem 15 segundos: é muita informação. Estamos na era do fast-food, virtual sex and internet banking.
Floripa era nossa, havia siri para todos. As praias eram limpas e as águas puras. Todos se encontravam no boteco da esquina. O nivelamento era mais pela inteligência e menos pelo dinheiro. A cidade, embora menor, era composta de mais personalidades. O tempo passou e não só Carolina não viu...

Veio a globalização, a homogeneização e a poluição. Tudo mudou. Algumas coisas ficaram melhores, outras piores.
Um negro governará a nação mais branca, protestante e anglo-saxônica. O G7 terá que ser ampliado para G20. A produção de cereais, entre eles a soja e o milho, e a criação de gado contribuem com 18% na emissão de gases para o aquecimento global.
A dita crise financeira atual pode derrubar grandes ícones, entre eles a General Motors norte americana.
Em compensação o Avaí está na primeira divisão.
Nem tudo está perdido...




Ainda bem. Como dizia o poeta, “navegar é preciso, viver não”.

O "bum" do Baú

O morro do Baú é o epicentro da tragédia vivida em Santa Catarina nas últimas enchentes desta primavera de 2008.
Não se sabe exatamente porque choveu tanto, num período concentrado, nesta região do Brasil.
As hipóteses vão desde as possíveis mudanças climáticas pelo aquecimento global até a periodicidade natural da queda pluviométrica no Vale do Rio Itajaí.
Mas, há que se diferenciar entre fatos e fenômenos. Chuvas provocam enchentes e alagamentos aqui ou em qualquer lugar do mundo.
Explosões, no entanto, podem ser evitadas ou amenizadas em seus efeitos.
Há uma exigência básica do Corpo de Bombeiros de obrigar a colocação dos botijões de gás de cozinha em áreas abertas, para no caso de explosões acidentais, diluírem ao máximo os danos materiais e salvaguardar vidas humanas e animais.
Dizem os entendidos que os gasodutos devem ser construídos na superfície terrestre e mantidos a uma distância de pelo menos dois metros de altura em relação ao solo. Assim, aparentes e a céu aberto, em caso de explosões os danos são menores.
A Gazprom, empresa russa responsável pela maior exportação de gás natural do mundo, abastece com este tipo de energia vários países europeus, entre eles: Alemanha, Áustria, França, Estônia, Finlândia e Lituânia. Os gasodutos são construídos na superfície. O custo é maior, mas a segurança também.
Na construção do gasoduto Brasil – Bolívia, o nosso Gasbol, optou-se pela construção subterrânea. Era mais barato.
Ainda e de acordo com especialistas, no caso de explosão da tubulação enterrada, a terra estando compactada, absorve e abafa melhor os efeitos explosivos, provocando apenas uma “saída” para a combustão.
No caso da explosão havida no Morro do Baú, a terra estava completamente molhada, portanto “inchada” e, consequentemente, menos compacta.
Estas condições geológicas ocasionaram rachaduras internas no subsolo, provocando deslizamentos de terra em áreas totalmente cobertas por vegetação primária.
Vários depoimentos de vítimas daquela catástrofe falam de uma grande explosão, labaredas de fogo e um tremor na terra, antes do desmoronamento.
Afora os danos, as mortes, as campanhas de solidariedade, doações financeiras e outros gestos de grandeza humana; ficam algumas perguntas no ar.
Por que as autoridades fizeram um alarde monumental na mídia nacional e, depois, arrependidas, fazem campanhas de “esclarecimento” sobre as qualidades naturais de Santa Catarina a fim de convidarem turistas para o próximo verão?
Por que o presidente da FIESC - Federação das Indústrias do Estado - não foi convidado a participar da segunda visita do presidente da República quando este anunciou a liberação de verbas públicas para a reconstrução das áreas atingidas?
Quais seriam os valores das indenizações caso as empresas responsáveis pela construção e operação do gasoduto fossem processadas judicialmente?
Quais os riscos permanentes de uma rede de abastecimento de gás natural subterrânea?
Até quando a realização de obras públicas sofrerá este impacto indecente da fraude licitatória, da super valorização dos preços e do conluio de parcerias público - privadas?
Qual o sentimento moral dos governantes e seus estafetas diante do sofrimento humano das vítimas deste tipo de tragédia?

Claro que não se pode negar ou rejeitar a utilização de tecnologias que confortam a vida das pessoas, tais como a aviação, a informática ou a utilização de fontes energéticas diversas.

Mas, há uma pergunta que muitos fazemos diariamente diante destas tragédias anunciadas que poderiam ser evitadas: Vale a pena ser honesto na República Federativa do Brasil?

Lebensraum

Lá pelos idos de 1871, à época da unificação da Alemanha sob a inspiração e comando de Bismarck, lebensraum era um popular “slogan” político, usado para justificar a conquista de colônias, a exemplo do que faziam Grã-Bretanha e França, a fim de encontrar “espaço vital” para a expansão germânica. O geógrafo Friedrich Ratzel acabou entrando para a História como autor do conceito, e, Adolf Hitler o utilizou para justificar atos de guerra.
Sem pretender discutir minúcias do conceito, o espaço vital é a condição necessária para a expansão da população humana.
Portanto, enquanto houver solo agricultável, insolação, irrigação e ventilação, deduz-se que a população mundial crescerá.
O fato é que este crescimento, embora contido em regiões semi-saturadas, como a Europa e o Japão – que vivem processos de envelhecimento de suas respectivas populações – faz com que o planeta perca espaços vitais de regeneração, indispensáveis para a sanidade ambiental.
Por outro lado, há um discurso tecnológico-futurista global induzindo as diversas sociedades no sentido de desenvolverem produtos com alto valor agregado, especialmente no campo da informática. E que embutida nesta era da informação estão várias soluções para a vida humana e animal.
Assim sendo, gostaria de fazer uma comparação superficial entre dois espaços geográficos. A Coréia do Sul e Santa Catarina têm áreas equivalentes. A primeira tem 99 mil km2 enquanto a segunda tem 95 mil km2. São 50 milhões de habitantes lá contra 6 milhões aqui, portanto densidades populacionais distintas. São 481 hab/km2 e 62 hab/por km2, respectivamente.
O problema é que a Coréia do Sul deixou de ser uma exportadora de sapatos e tecidos para exportar automóveis, eletrônicos, navios e aço, e mais recentemente, monitores digitais, celulares e semicondutores. Ou seja, alta tecnologia com valor agregado. Isto significa dizer que são grandes consumidores de recursos naturais, especialmente minérios.
Enquanto Santa Catarina tem uma densidade demográfica oito vezes menor, é capaz de produzir mais alimentos e carnes, tanto suína como de aves. Além de produtos têxteis, cerâmicos e metais-mecânico, entre outros.
Porém, expandir a produção de carnes também significa desmatar, visto que é necessário plantar mais milho e soja para o preparo de ração.
Projeções da ONU informam que em 2050 seremos 9 bilhões de habitantes para uma densidade populacional de 68 hab/km2. Numa primeira vista diríamos então que a densidade populacional mundial será ainda muito baixa se comparada à dos sul coreanos, e, equivalente à dos catarinenses, hoje.
Tal quadro induzirá à percepção de que ainda teremos espaços vitais para ocupar, consequentemente, expandir a população. E como o consumo de bens manufaturados é estimulado pela economia de mercado, a extração dos recursos naturais aumentará.
Terras utilizadas na produção de alimentos poderão ser destinadas à produção de energia combustível para suprir necessidades de fábricas que produzem bens com valor agregado que por sua vez consomem energia de combustão. Logo, o ciclo se fecha e se retro alimenta: mais produção, mais extração de recursos naturais, mais energia para combustão, mais solo para plantação de energia combustível.
Falam muito na necessidade de mudança de paradigmas, eco-desenvolvimento e sustentabilidade, mas não se sabe exatamente como fazê-lo.
Talvez estejamos construindo um modelo de sociedade auto-enclausurada e utilitária da Internet, com requintes de artificialidade que vão das rações animais às possíveis rações humanas, passando pela utilização de próteses que remodelam os corpos insatisfeitos e aumentando a automação responsável por legiões de desempregados.
Num momento de crise econômica mundial, vale a pena retroceder a 1973, quando num exercício de ficção, o filme Soylent Green mostrava como os desocupados seriam transformados em alimentos, numa Nova York futura.
O fato é que o preço da terra e dos espaços prediais aumenta em todo o mundo em razão da escassez de lebensraum.
E como os espaços vitais são cada vez mais restritos - inclusive nas relações humanas - a superpopulação, a energia, o ambiente e o trabalho são os desafios da humanidade no século 21.

A Tragédia de SC


A tragédia como a comédia, são dimensões da condição humana.
O que está acontecendo em nosso estado nos últimos dias é a repetição, em maior ou menor escala, da mesma tragédia acontecida outras vezes. Algumas delas ainda na memória de muitos, como as enchentes de 1983/84, no Vale do Rio Itajaí.
Além da dor e da destruição material e emocional de muitas vidas e patrimônios, alguns deles irreparáveis, observamos diferentes brasileiros de todos os cantos, envolvidos numa grande malha de solidariedade humana. Gente pobre que às vezes contribui com muito mais do que gente rica.
Haverá inúmeras explicações para o fenômeno das chuvas desta primavera de 2008, no sudeste brasileiro, especialmente suas conseqüências em solo catarinense.
Dirão alguns que são resultados do aquecimento global que altera as condições climáticas no planeta.
Outros aceitarão como adequações da Natureza, aos processos de intervenção humana, em seus movimentos cíclicos e naturais.
Alguns cobrarão a imprevidência e a negligência dos governos, não só por não terem construído ao longo dos anos sistemas de proteção para casos emergenciais, como também por permitirem ocupações indevidas em áreas de risco.
É possível até que algumas seitas divulguem em seus sermões que a desgraça havida é um aviso dos céus para a indecência praticada pelos homens na terra.
O fato é que nesta tragédia cabe ao Estado, nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal, intervir concretamente para restabelecer a normalidade da vida nas comunidades atingidas.
Os primeiros a sofrer são os que perderam familiares e patrimônio diretamente. Mas, sofrerão também inúmeras outras pessoas e atividades econômicas, culturais e sociais.
Os valores financeiros anunciados pelas autoridades constituídas são muito pequenos em relação àqueles que são desviados nas diversas “maracutaias” praticadas pela classe política em sociedade com alguns setores empresariais.
Anúncios ridículos como linhas de crédito para os que perderam suas modestas casas e sobrevivem de salários insuficientes para a dignidade de suas famílias.
Quem poderá pagar um financiamento imobiliário com taxas de juros de mercado depois de perder tudo o que tinha e, talvez até, a esperança.
Quando a civilização propôs a criação do Estado foi, também, para acudir o cidadão nas tragédias coletivas ou individuais.
Perguntem a qualquer grande empresário brasileiro que eventualmente perdesse todo o seu patrimônio industrial ou comercial, além de sua casa, se ele conseguiria recompor sua vida econômica com linhas de crédito que não fossem a fundos perdidos.
Há alguns anos, a JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) propôs estudos ao governo estadual para a construção de um canal extravasor ligando um ponto determinado do Rio Itajaí ao mar na praia de Piçarras. Seria uma forma de aliviar imediatamente as cheias do rio em direção ao oceano. Como faz um menino, ao brincar com as poças d’água, colocando a ponta de seu dedo numa das bordas e cavando a terra para escoar a água concentrada.
O projeto não prosperou por várias razões, entre elas, os possíveis impactos ambientais e, claro, a tradicional corrupção na realização de obras públicas.
Claro que os deslizamentos de terra já não têm relação com as cheias dos rios. Mas, construir sobre as encostas e não providenciar sistemas de drenagem ou contenção é erro primário.
Por último, e mais terrível, a farsa de algumas expressões faciais daqueles que querem a glória em razão da tragédia alheia...
Nossa brava gente, mais uma vez, vencerá.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

As conseqüências da superpopulação na sociedade moderna

O interesse pelo tema “As conseqüências da superpopulação na sociedade moderna: Uma análise dos impactos ambientais e das transformações tecnológicas da sociedade global na vida do homem contemporâneo”, surge em razão do aumento das tensões que vivem os seres humanos na sociedade do século 21.

De 1950 para cá, a população mundial quase triplicou, passando de dois e meio bilhões de habitantes para mais de seis e meio bilhões.

Domenico de Masi ressalta que na metade do século XIX, a vida média dos homens era de 34 anos e das mulheres 35. O homem de Neandhertal vivia 29 anos, portanto apenas seis a menos que nossos bisavós. Entretanto, em apenas duas gerações a vida média do homem aumentou 40 anos; e hoje o homem vive em média 75 anos.

Este crescimento populacional extraordinário não se deu somente pelo aumento de nascimentos, mas também pelo prolongamento significativo da longevidade, conseqüência dos avanços da medicina e da farmacologia. A expansão da população provoca uma série de impactos na vida do homem na sociedade moderna e no planeta.

São impactos de ordem ambiental, ocupacional, emocional, política e econômica, entre outros, conseqüência da necessidade de habitação, abastecimento de água e eletricidade, coleta e tratamento de esgotos, serviços de educação, saúde e transportes, sistemas de segurança pública e privada, construção de equipamentos e sistemas viários, serviços de comunicação, trabalho remunerado e lazer.

A realização desta infra-estrutura e seus derivativos geram empregos e a arrecadação de tributos de um lado; porém, de outro lado, aceleram a exaustão do estoque de recursos naturais e a produção de resíduos poluentes de diferentes conteúdos.

Aristóteles (384 - 322 a.C.), embora não conhecesse as exatas dimensões do planeta Terra, intuiu as conseqüências provocadas por qualquer superpopulação:

• Sempre que houver superpopulação haverá pobreza. E as conseqüências da pobreza são: dissensão cívica e violência.

• If no restriction is imposed on the rate of reproduction (and this is the case in most of our existing states), poverty is the inevitable result; and poverty produces, in its turn, civic dissension and wrongdoing.

• Em “A Política”. The Politics of Aristotle edited and translated by Ernest Barker – Oxford University Press – page 59 – Ideal States in Theory.

Em 1798, o Reverendo Thomas Malthus faz um outro alerta sobre o mesmo tema. Como só considera a população e a capacidade de se produzir alimentos (duas variáveis apenas), sua tese é superada pelos fatos, entre eles, a revolução industrial e suas conseqüências de produção em série, inclusive de alimentos.


Recentemente, a questão ambiental, nos induz a pensar em, pelo menos, quatro variáveis: (1) o tamanho do planeta, (2) o crescimento populacional, (3) a diminuição dos estoques de recursos naturais e (4) o aumento de todas as formas de poluição.

Se estes vetores não forem alterados, excetuando a dimensão do planeta que é imutável, caminhamos para uma possível e provável situação de estrangulamento futuro. Não sabemos, ainda, avaliar as conseqüências oriundas de um quadro formado pelas variáveis acima enumeradas.

Os impactos ambientais podem provocar alterações climáticas de tal ordem, obrigando grandes contingentes populacionais a promoverem migrações em escala planetária. Além do aquecimento global, apenas a parte mais evidente do impacto ambiental em discussão neste momento, existem outras situações a serem consideradas. Entre elas, tão preocupante quanto à elevação da temperatura no planeta, é a questão da poluição dos recursos hídricos e sua conseqüente escassez em diferentes aspectos da vida humana futura.

Embora relegados, inicialmente, à área das ciências agrárias, a utilização dos recursos hídricos é parte indissociável das ciências humanas e fator essencial à condição humana na modernidade. Sabemos que boa parte da poluição dos recursos hídricos é decorrente da inexistência ou da insuficiência de sistemas de tratamento de esgotos, especialmente nos chamados países menos desenvolvidos.

O professor Adam Smith (1776) dizia que as coisas têm pelo menos dois valores: valor de uso e valor de troca. A água, por exemplo, dizia ele, só tem valor de uso, enquanto os diamantes têm valor de troca. Sem que ainda tenham se passado dois séculos e meio desta afirmação, a água já tem valor de troca.

“Deve observar-se que a palavra VALOR tem dois significados diferentes; umas vezes exprime a utilidade de um determinado objeto; outras, o poder de compra de outros objetos que a posse desses representa. O primeiro pode designar-se por ‘valor de uso’; o segundo por ‘valor de troca’. As coisas que têm o maior valor de uso têm, em geral, pouco ou nenhum valor de troca; e, pelo contrário, as que têm o maior valor de troca têm, geralmente, pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil do que a água: mas com ela praticamente nada pode comprar-se; praticamente nada pode obter-se em troca dela. Pelo contrário, um diamante não tem praticamente qualquer valor de uso; no entanto, pode normalmente obter-se grande quantidade de outros bens em troca dele”.
Há pelo menos três correntes de pensamento sobre a discussão dos limites ecológicos impostos à humanidade neste início do século 21: (a) uma que afirma que não há mais tempo para reversão das tendências em vigor, e que por isto caminhamos para uma situação de estrangulamento futuro, com diferentes conseqüências para todas as formas de vida no planeta; (b) outra que afirma que a tecnologia avançará encontrando as soluções exigidas pela humanidade; (c) e finalmente, a que afirma ser infrutífera qualquer tentativa de discussão sobre o futuro do homem, uma vez que sua história é inevitavelmente evolutiva, imprevisível e incontrolável.

As ciências, sobretudo as humanas, seriam apenas descritivas e interpretativas do passado e especulativas em relação ao que está por vir.

Contudo, a tendência de aplicar a interdisciplinaridade para o entendimento e projeção dos caminhos do homem, mostra que o conhecimento específico e disperso não acompanha a complexidade do fenômeno da vida.

Aliás, na medida em que o conhecimento foi sendo departamentalizado, pulverizado e especificado, mais distante foi ficando da compreensão total do fenômeno humano.

A academia moderna de um lado e a modernidade do outro perderam o foco sobre o homem vitruviano, concebido por Marcus Vitruvius Pollio, arquiteto romano, e explicitado por Leonardo da Vinci, pensador universal renascentista.

A interdisciplinaridade é o retorno ao conceito de universitas, palavra latina que dá origem à universidade.

A pulverização do conhecimento, tentativa moderna de compreender com mais intensidade a condição humana, nos afastou da integralidade do ser e nos fez mais inseguros e incertos sobre possíveis convicções.

Pretender obter a visão global tornou-se uma heresia num mundo onde a maioria é induzida a querer conhecer mais da partícula e menos do todo.

É necessário considerar que existiram três estágios pelos quais os homens passaram ao longo de sua evolução: (1) o domínio da agricultura, (2) o domínio da máquina, e por último, (3) o domínio da informação. É possível que o quarto domínio venha a ser o domínio sobre ele mesmo. Entramos no século 21 com este panorama: dominamos diversas técnicas e tecnologias e, no entanto, não somos capazes de dar solução às necessidades de saúde, educação, moradia e trabalho para mais da metade da população mundial. Ainda estamos aprendendo a tratar adequadamente nossos excrementos.


O estudo acadêmico transformou-se numa babel de afirmações, muitas delas perdidas em si mesmas. A especificidade exigida, ao invés de colaborar para o entendimento de nossa integralidade, provoca uma desconexão absurda sobre os diversos aspectos da vida, por si só, grandiosos demais para a pretensão da mente humana.


Estudos mais atuais, como por exemplo, “The end of world population growth in the 21 st century”, publicados em 2004 por Wolfgang Lutz e outros, afirmam que em algumas partes do planeta, notadamente na Europa e no Japão, há uma estabilidade numérica da população e o conseqüente envelhecimento dela. Argumentam que quando determinada quantidade de pessoas atinge certos níveis de consumo material, saúde e escolaridade, há uma quase certeza de estabilidade. Porém, não sabem como explicar que em outras partes do planeta, nos Estados Unidos da América, por exemplo, onde existem as condições referidas próximas às européias e japonesas, continua o crescimento da população.

Afirmam que doravante teremos que estudar a questão populacional sob duas óticas entrelaçadas: sua expansão em algumas regiões e seu envelhecimento em outras.

Contudo, ainda que estes estudos advirtam sobre a importância das previsões referentes ao crescimento populacional, seus autores lembram:

“Demographers can no more held responsible for inaccuracy in forecasting 20 years ahead than geologists, meteorologists, or economists when they fail to announce earthquakes, cold winters, or depressions 20 years ahead. What we can be held responsible for is warning one another and our public what the error of our estimates is likely to be”, escrito por Nathan Keyfitz, em 1981, considerado um dos maiores demógrafos do século 20.

Assim, fica evidente a temeridade de projeções de ordem geológica, meteorológica, econômica ou demográfica na visão de um respeitável estudioso da matéria.


O fato relevante nesta proposição é que ainda que caminhássemos para uma estabilidade e conseqüente envelhecimento populacional ao longo deste século, não poderíamos deixar de avaliar as conseqüências dos impactos ambientais e das transformações tecnológicas globais, visto que são elas, também, as responsáveis pela criação de sociedades com bons níveis de consumo material, saúde e escolaridade.

Mais uma vez, o professor Adam Smith, em relação às transformações decorrentes da modificação dos sistemas de produção, antecipou algumas conseqüências da introdução de novas máquinas na vida dos trabalhadores:

“O grande aumento da quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar deve-se a três circunstâncias: primeira, o aumento de destreza de cada um dos trabalhadores; segunda, a possibilidade de poupar o tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma tarefa a outra; e, finalmente, a invenção de um grande número de máquinas que facilitam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de realizar o trabalho de muitos”.


Percebe-se claramente pela leitura acima, um dos cenários da condição humana na modernidade: o aumento da destreza, a redução do tempo e a melhoria da capacidade de produção do homem em razão da utilização da tecnologia da informação, os computadores, por exemplo.

De novo, numa visão interdisciplinar, há que se compreender que a tecnologia da informação, assim como outras descobertas anteriores, tais quais: a eletricidade, a radiofonia, a telefonia, a aviação e a televisão, acontecem na medida em que aumenta o nível de escolaridade do homem e a população.

Não há como provar este argumento. Mas, é como se o espírito curioso e inventivo do homem encontrasse soluções para as necessidades de cada estágio, adverso ou não, do processo civilizatório.


De Masi faz alusão ao homem antes do invento da roda, desnecessária por estarmos numa era glacial, onde o instrumento de locomoção era o esqui. Na medida em que começou o degelo, o esqui deixou de ser útil e tempos depois o homem inventou a roda para facilitar seus deslocamentos.

Durante um longo período, então, o homem percorria seus caminhos a pé, sobre o lombo de algum animal, cavalos e camelos – por exemplo, sobre as rodas das carroças puxadas por algum animal, remando ou velejando com suas embarcações. Em 1825, há menos de dois séculos, com a primeira linha ferroviária entre Manchester e Liverpool, a locomotiva a vapor altera profundamente a velocidade, o tempo e a capacidade de transporte de carga do homem.
Do trem passamos aos navios, aos automóveis e aos aviões. Deles às naves espaciais. Todos propelidos pela combustão dos motores.


Zeitgeist, o espírito do tempo, neste inicio de século 21 é uma tentativa alucinante sobre a possibilidade de conciliação entre crescimento econômico e sanidade ambiental. A discussão que preside todas as agendas internacionais é a capacidade do planeta em suportar o crescimento contínuo nos moldes em que o praticamos. (carrying capacity).

A constante, e cada vez mais acelerada, transformação tecnológica imporá alterações inusitadas nos sistemas produtivos globais, provocando uma nova situação, onde o emprego e a atividade laboral remunerada podem vir a ser cada vez mais escassos em relação aos que deles precisam.

Assim, torna-se relevante o estudo destas questões na tentativa de desenhar cenários em que a condição humana na modernidade existirá.

Seremos capazes de nos adaptar aos impactos ambientais provocados por nossos métodos de produção e expansão populacional?

Teremos condições de sustentar com trabalho remunerado, moradia e alimentação, educação e saúde, todos os seres humanos?

Qual o cenário existencial para aqueles que não forem aproveitados ou não puderem ser aproveitados pelos sistemas produtivos globais em razão das transformações tecnológicas?

A inovação tecnológica poderá solucionar os problemas ambientais existentes e em processo de intensificação da degradação?

O trabalho humano, fonte da realização primeira do ser, será cada vez mais padronizado e impessoal ou permitirá a expressão individual do homem?


Afora a questão populacional é relevante pesquisar as conseqüências das transformações tecnológicas da sociedade global na vida do homem contemporâneo, sobretudo no que se refere às relações de produção e trabalho.

Espera-se da evolução humana não só a melhoria das condições materiais, como também uma evolução moral no sentido de diminuir a fome, a falta de moradia e o desemprego.

A condição humana na modernidade deveria existir e prosperar num ambiente sadio, sob vários aspectos, inclusive do ponto de vista ecológico.

Não por acaso está ocorrendo uma apropriação crescente do prefixo eco para inúmeras atividades e ciências da modernidade. Para exemplificar: do eco turismo a eco psicologia.

O conflito existente entre economia e ecologia precisa ser desconstruído.

Ainda que ocorra decréscimo populacional no planeta e, consequentemente, envelhecimento da população, ter-se-á que considerar a intensificação do uso dos estoques de recursos naturais, bem como a crescente poluição, visto que a economia de mercado, hoje instalada em escala global, é estimuladora de consumo exponencial.

Com o fim da bipolaridade ideológica mundial, capitalismo versus comunismo, aceitou-se a prevalência absoluta da sociedade centrada no mercado. O mercado não tem limites para sua expansão porque tem a capacidade de ser reinventado diariamente. Ele absorve e expele pessoas, recursos naturais e tecnologias na medida de suas necessidades, sem nenhum compromisso com qualquer tipo de estabilidade, senão a sua. Se a lógica do mercado for intensificada e continuar a presidir as relações entre os homens, os que não puderem ser absorvidos por ele, perecerão de maneiras mais ou menos trágicas. Não haverá espaço para o exercício da solidariedade humana.
Aliás, o homem só terá importância enquanto puder ser consumidor. Quando perde a capacidade de consumir passa a ser um estorvo social: um custo para o Estado.

Que mecanismos poderiam ser criados para aproveitar cidadãos desempregados na restauração dos diferentes ecossistemas do planeta? Quais poderiam ser os mecanismos de remuneração? As formas de reciclagem são alternativas econômicas para o futuro?

Além destas, outras questões imediatamente decorrentes, entre elas os sistemas previdenciários estatais devem ser discutidos em razão do possível envelhecimento populacional.

Fazer previsões para um indivíduo é temerário. Fazê-las para a humanidade, muito mais.

No entanto, fatores como população, recursos naturais e poluição são inevitáveis para qualquer tentativa de compreensão da vida humana associada no presente.

O exercício intelectual não deve ser apenas uma reflexão sobre o passado, mas, ao contrário, uma proposição para o futuro.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A lógica da crise

No inicio da década de 80, algumas vozes em Washington, sussurram ao poder republicano que estava na hora de desregulamentar a economia. Quanto mais liberalizada ela estivesse, mais riqueza produziria. O mercado saberia guiar a humanidade. O Estado estava ultrapassado e obsoleto. A iniciativa privada, ágil por natureza, acreditou na tese. Começou, então, a montagem de uma grande engrenagem de mercados futuros e títulos derivativos, cuja finitude se perdia no horizonte. Quando começou a emperrar, quebrando alguns bancos depositários destas maravilhosas incertezas, o velho e criticado Estado foi chamado, às pressas, para depositar U$ 850 bilhões no sistema, a fim de dar tranqüilidade ao capitalismo do século 21.
Esta crise passará por que é, ainda, apenas financeira.
A verdadeira crise, em plena formação, aparecerá um pouco mais à frente. Quando nos dermos conta de que: (1) o planeta em que vivemos não cresce em tamanho, (2) a população mundial continua crescente, (3) o estoque dos recursos naturais é decrescente e (4) a poluição continua a crescer. Ou seja, haverá limites físicos para a expansão da produção, caso continuemos neste ritmo.
Diz-se que a iniciativa privada é mais eficiente do que o Estado. Ela é apenas mais ágil, inclusive nas formas de corromper...
Quando a situação estrangula e o pânico se instala, é sempre ao velho e carcomido Estado que se vai pedir ajuda. Por uma razão muito simples: ele é a maior conquista da civilização desde 1789...

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O Futuro da Humanidade

O declínio e a queda do império romano começam exatamente quando os imperadores deixam de se submeter às decisões do senado. Este representava a vontade colegiada, temperada pelas diversas tendências e opiniões, enquanto aqueles representavam suas vaidades, sonhos e alucinações. O senado era o estado. O imperador era o indivíduo. E quando a vontade individual se sobrepôs à vontade coletiva, o império ruiu.
Então, o ocidente viveu o feudalismo, a chamada idade das trevas, o renascimento e a descoberta do novo mundo, através das grandes navegações, para se reorganizar e recriar o conceito político de república, dando origem ao estado moderno de 1789. Ele durou apenas duzentos anos. Em 1989, a queda do muro de Berlim, significa historicamente, mais uma vez, a ruptura do poder coletivo sobre a vontade individual. O mercado, a livre iniciativa, o desejo pessoal, a liberdade individual e o egoísmo são manifestações imperiais.
A exaustão, sob várias formas, por que passa a Terra é um sintoma do caráter imperial da sociedade global.
Ou entendemos que o planeta é um ser vivo e como tal merece os cuidados inerentes à vida, ou chegaremos ao caos para renascer.
Qualquer ideologia centrada no mercado aposta em ganhos e enquanto alguns ganham, e sempre tem alguém ganhando, as soluções coletivas vão sendo postergadas. Quem ganha vai se protegendo das situações de miséria e desconforto ambiental. É um movimento contínuo, uma rosca sem fim.
O apelo ambiental é tão forte neste início do século XXI que várias corporações já se apropriaram dele para dinamizar seus negócios.
Ouso dizer que o desenvolvimento da tecnologia informática já é uma forma de preparação para uma vida virtual, digital e distante dos cenários naturais. A expansão dos desejos individuais sobre a apropriação dos bens públicos, significa a possibilidade de aumentarmos a tragédia dos comuns, onde cada um explorará o mais rápido possível o que puder sob pena de que o outro o faça antecipadamente.
Não se trata de negar o avanço tecnológico, tampouco a liberdade para empreender. Ao contrário, reguladas pelo estado, todas as iniciativas individuais devem florescer. Elas significam a expressão do homem na sua mais perfeita forma.
No entanto o que estamos assistindo é a consolidação imperial do mercado sobre a vida de todos nós, onde os que não tem dinheiro ficam alijados de qualquer possibilidade de defesa. O mercado não considera os incapazes financeiramente.
Assim, estamos permitindo a construção de um complexo sistema econômico em que são oferecidas as últimas maravilhas aos que podem comprar e a degradação resultante aos que não podem pagar.
O estado foi concebido para garantir o equilíbrio entre os cidadãos. O mercado, por sua vez, sobreviveu porque não tem compaixão.