segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Feliz Natal e 2009 pleno


“É triste o olhar do viajante, pois ele sabe que o mundo começou sem o homem e terminará sem ele”. (Lévi-Strauss).


Aproveita, então, para viver e amar: é a tua única chance na condição de humano...



un peu plus loin que l’infini

Um olhar sobre o século XX


Provavelmente nós que nascemos na década de cinqüenta do século passado vivemos a melhor juventude da era moderna.
Não sofremos os traumas do pós-guerra vivido, sobretudo na Europa. Não fomos vítimas da repressão sexual e pressentimos a era de Aquário sem a mera ilusão. Incorporamos a moda das calças de cintura baixa com boca de sino, dos cabelos compridos, da bandana na testa, da flor na orelha e da jaqueta de general, embora vermelha...
Brilho nos olhos, sorriso nos lábios e o rosto exposto ao vento e ao sol da alegria do pré-verão contagiava nós todos. De “help me to get my feet back on the ground”, passando por “olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina, que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar”, até “No woman no cry – Oh, good friends we’ve lost, along the way, in this great future, you can’t forget your past, so dry your tears, I say”.
Havia uma esperança no ar, havia propósito na ação, havia vontade de reunião: nós queríamos nos encontrar para rir, falar e sonhar...
Uns fumavam baseados na ampliação, outros cheiravam a pureza que vinha da folha da coca, sob a luz de velas, ouvindo suavemente a Dionne Warwick cantar “Walk on by”, sem muita agitação...
O tempo era mais elástico, menos cronológico. Não por acaso se dizia: esta noite vamos esticar até mais tarde...
As marcas representavam as duas ideologias: a foice e o martelo da URSS, a estrêla vermelha da boina do Che Guevara, as letras inclinadas da Coca-Cola, o cavalinho da Ferrari ou o Lee das calças jeans. Nós ainda discutíamos qual deveria ser o caminho para a humanidade. A ecologia começou a entrar na pauta: “Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais, e tenha somente a certeza, dos amigos do peito e nada mais”.
As mulheres, lindas e formosas, jovens ou maduras, usavam perfumes de acordo com suas características. Podia ser uma essência de gerânio, gardênia, flor de laranja ou patchouli.
Nossos pais escutavam Frank Sinatra cantar: “I did it my way”. Éh, naquela época as pessoas ainda tinham o seu próprio jeito de fazer as coisas. Não estávamos padronizados nem pela altura dos botões do paletó dos ternos escuros, sobre camisas opacas com gravatas sem cor. Não havia “download”, nem “blog” ou “pen drive” para tentar transformar o homem num ser indolor.
O Taiguara cantava e dizia sobre o cheiro do amor. Al Pacino representava o cego que sentia o perfume de mulher. Pelé fazia mil gols, depois de ter sido tri-campeão nos campos internacionais. Big Boy era o locutor das madrugas cariocas da rádio Mundial. Armando Nogueira escrevia no Jornal do Brasil a coluna mais poética do futebol. A Boeing lançava o Jumbo 747. Os carros da GM eram os mais vendidos no planeta. Carlos Castañeda fumava a erva do diabo e dizia: “Esteja alerta a cada segundo. Não permita que nada nem ninguém decida por você”. Nós vivíamos tempos de referências. Os que venciam usavam mais o talento do que o juízo. Não era preciso lograr.
Andy Warhol previa que alguns teriam 15 minutos de fama. Hoje não se tem nem 15 segundos: é muita informação. Estamos na era do fast-food, virtual sex and internet banking.
Floripa era nossa, havia siri para todos. As praias eram limpas e as águas puras. Todos se encontravam no boteco da esquina. O nivelamento era mais pela inteligência e menos pelo dinheiro. A cidade, embora menor, era composta de mais personalidades. O tempo passou e não só Carolina não viu...

Veio a globalização, a homogeneização e a poluição. Tudo mudou. Algumas coisas ficaram melhores, outras piores.
Um negro governará a nação mais branca, protestante e anglo-saxônica. O G7 terá que ser ampliado para G20. A produção de cereais, entre eles a soja e o milho, e a criação de gado contribuem com 18% na emissão de gases para o aquecimento global.
A dita crise financeira atual pode derrubar grandes ícones, entre eles a General Motors norte americana.
Em compensação o Avaí está na primeira divisão.
Nem tudo está perdido...




Ainda bem. Como dizia o poeta, “navegar é preciso, viver não”.

O "bum" do Baú

O morro do Baú é o epicentro da tragédia vivida em Santa Catarina nas últimas enchentes desta primavera de 2008.
Não se sabe exatamente porque choveu tanto, num período concentrado, nesta região do Brasil.
As hipóteses vão desde as possíveis mudanças climáticas pelo aquecimento global até a periodicidade natural da queda pluviométrica no Vale do Rio Itajaí.
Mas, há que se diferenciar entre fatos e fenômenos. Chuvas provocam enchentes e alagamentos aqui ou em qualquer lugar do mundo.
Explosões, no entanto, podem ser evitadas ou amenizadas em seus efeitos.
Há uma exigência básica do Corpo de Bombeiros de obrigar a colocação dos botijões de gás de cozinha em áreas abertas, para no caso de explosões acidentais, diluírem ao máximo os danos materiais e salvaguardar vidas humanas e animais.
Dizem os entendidos que os gasodutos devem ser construídos na superfície terrestre e mantidos a uma distância de pelo menos dois metros de altura em relação ao solo. Assim, aparentes e a céu aberto, em caso de explosões os danos são menores.
A Gazprom, empresa russa responsável pela maior exportação de gás natural do mundo, abastece com este tipo de energia vários países europeus, entre eles: Alemanha, Áustria, França, Estônia, Finlândia e Lituânia. Os gasodutos são construídos na superfície. O custo é maior, mas a segurança também.
Na construção do gasoduto Brasil – Bolívia, o nosso Gasbol, optou-se pela construção subterrânea. Era mais barato.
Ainda e de acordo com especialistas, no caso de explosão da tubulação enterrada, a terra estando compactada, absorve e abafa melhor os efeitos explosivos, provocando apenas uma “saída” para a combustão.
No caso da explosão havida no Morro do Baú, a terra estava completamente molhada, portanto “inchada” e, consequentemente, menos compacta.
Estas condições geológicas ocasionaram rachaduras internas no subsolo, provocando deslizamentos de terra em áreas totalmente cobertas por vegetação primária.
Vários depoimentos de vítimas daquela catástrofe falam de uma grande explosão, labaredas de fogo e um tremor na terra, antes do desmoronamento.
Afora os danos, as mortes, as campanhas de solidariedade, doações financeiras e outros gestos de grandeza humana; ficam algumas perguntas no ar.
Por que as autoridades fizeram um alarde monumental na mídia nacional e, depois, arrependidas, fazem campanhas de “esclarecimento” sobre as qualidades naturais de Santa Catarina a fim de convidarem turistas para o próximo verão?
Por que o presidente da FIESC - Federação das Indústrias do Estado - não foi convidado a participar da segunda visita do presidente da República quando este anunciou a liberação de verbas públicas para a reconstrução das áreas atingidas?
Quais seriam os valores das indenizações caso as empresas responsáveis pela construção e operação do gasoduto fossem processadas judicialmente?
Quais os riscos permanentes de uma rede de abastecimento de gás natural subterrânea?
Até quando a realização de obras públicas sofrerá este impacto indecente da fraude licitatória, da super valorização dos preços e do conluio de parcerias público - privadas?
Qual o sentimento moral dos governantes e seus estafetas diante do sofrimento humano das vítimas deste tipo de tragédia?

Claro que não se pode negar ou rejeitar a utilização de tecnologias que confortam a vida das pessoas, tais como a aviação, a informática ou a utilização de fontes energéticas diversas.

Mas, há uma pergunta que muitos fazemos diariamente diante destas tragédias anunciadas que poderiam ser evitadas: Vale a pena ser honesto na República Federativa do Brasil?

Lebensraum

Lá pelos idos de 1871, à época da unificação da Alemanha sob a inspiração e comando de Bismarck, lebensraum era um popular “slogan” político, usado para justificar a conquista de colônias, a exemplo do que faziam Grã-Bretanha e França, a fim de encontrar “espaço vital” para a expansão germânica. O geógrafo Friedrich Ratzel acabou entrando para a História como autor do conceito, e, Adolf Hitler o utilizou para justificar atos de guerra.
Sem pretender discutir minúcias do conceito, o espaço vital é a condição necessária para a expansão da população humana.
Portanto, enquanto houver solo agricultável, insolação, irrigação e ventilação, deduz-se que a população mundial crescerá.
O fato é que este crescimento, embora contido em regiões semi-saturadas, como a Europa e o Japão – que vivem processos de envelhecimento de suas respectivas populações – faz com que o planeta perca espaços vitais de regeneração, indispensáveis para a sanidade ambiental.
Por outro lado, há um discurso tecnológico-futurista global induzindo as diversas sociedades no sentido de desenvolverem produtos com alto valor agregado, especialmente no campo da informática. E que embutida nesta era da informação estão várias soluções para a vida humana e animal.
Assim sendo, gostaria de fazer uma comparação superficial entre dois espaços geográficos. A Coréia do Sul e Santa Catarina têm áreas equivalentes. A primeira tem 99 mil km2 enquanto a segunda tem 95 mil km2. São 50 milhões de habitantes lá contra 6 milhões aqui, portanto densidades populacionais distintas. São 481 hab/km2 e 62 hab/por km2, respectivamente.
O problema é que a Coréia do Sul deixou de ser uma exportadora de sapatos e tecidos para exportar automóveis, eletrônicos, navios e aço, e mais recentemente, monitores digitais, celulares e semicondutores. Ou seja, alta tecnologia com valor agregado. Isto significa dizer que são grandes consumidores de recursos naturais, especialmente minérios.
Enquanto Santa Catarina tem uma densidade demográfica oito vezes menor, é capaz de produzir mais alimentos e carnes, tanto suína como de aves. Além de produtos têxteis, cerâmicos e metais-mecânico, entre outros.
Porém, expandir a produção de carnes também significa desmatar, visto que é necessário plantar mais milho e soja para o preparo de ração.
Projeções da ONU informam que em 2050 seremos 9 bilhões de habitantes para uma densidade populacional de 68 hab/km2. Numa primeira vista diríamos então que a densidade populacional mundial será ainda muito baixa se comparada à dos sul coreanos, e, equivalente à dos catarinenses, hoje.
Tal quadro induzirá à percepção de que ainda teremos espaços vitais para ocupar, consequentemente, expandir a população. E como o consumo de bens manufaturados é estimulado pela economia de mercado, a extração dos recursos naturais aumentará.
Terras utilizadas na produção de alimentos poderão ser destinadas à produção de energia combustível para suprir necessidades de fábricas que produzem bens com valor agregado que por sua vez consomem energia de combustão. Logo, o ciclo se fecha e se retro alimenta: mais produção, mais extração de recursos naturais, mais energia para combustão, mais solo para plantação de energia combustível.
Falam muito na necessidade de mudança de paradigmas, eco-desenvolvimento e sustentabilidade, mas não se sabe exatamente como fazê-lo.
Talvez estejamos construindo um modelo de sociedade auto-enclausurada e utilitária da Internet, com requintes de artificialidade que vão das rações animais às possíveis rações humanas, passando pela utilização de próteses que remodelam os corpos insatisfeitos e aumentando a automação responsável por legiões de desempregados.
Num momento de crise econômica mundial, vale a pena retroceder a 1973, quando num exercício de ficção, o filme Soylent Green mostrava como os desocupados seriam transformados em alimentos, numa Nova York futura.
O fato é que o preço da terra e dos espaços prediais aumenta em todo o mundo em razão da escassez de lebensraum.
E como os espaços vitais são cada vez mais restritos - inclusive nas relações humanas - a superpopulação, a energia, o ambiente e o trabalho são os desafios da humanidade no século 21.

A Tragédia de SC


A tragédia como a comédia, são dimensões da condição humana.
O que está acontecendo em nosso estado nos últimos dias é a repetição, em maior ou menor escala, da mesma tragédia acontecida outras vezes. Algumas delas ainda na memória de muitos, como as enchentes de 1983/84, no Vale do Rio Itajaí.
Além da dor e da destruição material e emocional de muitas vidas e patrimônios, alguns deles irreparáveis, observamos diferentes brasileiros de todos os cantos, envolvidos numa grande malha de solidariedade humana. Gente pobre que às vezes contribui com muito mais do que gente rica.
Haverá inúmeras explicações para o fenômeno das chuvas desta primavera de 2008, no sudeste brasileiro, especialmente suas conseqüências em solo catarinense.
Dirão alguns que são resultados do aquecimento global que altera as condições climáticas no planeta.
Outros aceitarão como adequações da Natureza, aos processos de intervenção humana, em seus movimentos cíclicos e naturais.
Alguns cobrarão a imprevidência e a negligência dos governos, não só por não terem construído ao longo dos anos sistemas de proteção para casos emergenciais, como também por permitirem ocupações indevidas em áreas de risco.
É possível até que algumas seitas divulguem em seus sermões que a desgraça havida é um aviso dos céus para a indecência praticada pelos homens na terra.
O fato é que nesta tragédia cabe ao Estado, nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal, intervir concretamente para restabelecer a normalidade da vida nas comunidades atingidas.
Os primeiros a sofrer são os que perderam familiares e patrimônio diretamente. Mas, sofrerão também inúmeras outras pessoas e atividades econômicas, culturais e sociais.
Os valores financeiros anunciados pelas autoridades constituídas são muito pequenos em relação àqueles que são desviados nas diversas “maracutaias” praticadas pela classe política em sociedade com alguns setores empresariais.
Anúncios ridículos como linhas de crédito para os que perderam suas modestas casas e sobrevivem de salários insuficientes para a dignidade de suas famílias.
Quem poderá pagar um financiamento imobiliário com taxas de juros de mercado depois de perder tudo o que tinha e, talvez até, a esperança.
Quando a civilização propôs a criação do Estado foi, também, para acudir o cidadão nas tragédias coletivas ou individuais.
Perguntem a qualquer grande empresário brasileiro que eventualmente perdesse todo o seu patrimônio industrial ou comercial, além de sua casa, se ele conseguiria recompor sua vida econômica com linhas de crédito que não fossem a fundos perdidos.
Há alguns anos, a JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) propôs estudos ao governo estadual para a construção de um canal extravasor ligando um ponto determinado do Rio Itajaí ao mar na praia de Piçarras. Seria uma forma de aliviar imediatamente as cheias do rio em direção ao oceano. Como faz um menino, ao brincar com as poças d’água, colocando a ponta de seu dedo numa das bordas e cavando a terra para escoar a água concentrada.
O projeto não prosperou por várias razões, entre elas, os possíveis impactos ambientais e, claro, a tradicional corrupção na realização de obras públicas.
Claro que os deslizamentos de terra já não têm relação com as cheias dos rios. Mas, construir sobre as encostas e não providenciar sistemas de drenagem ou contenção é erro primário.
Por último, e mais terrível, a farsa de algumas expressões faciais daqueles que querem a glória em razão da tragédia alheia...
Nossa brava gente, mais uma vez, vencerá.