Estranhas
Memórias (II)
Marcos Bayer
E a onda bateu e voltou...
A onda que se formou no pós-guerra foi uma onda de
completa reavaliação da vida humana associada. Antes dela, a Renascença
Italiana, 500 anos antes, impondo uma reflexão no Ocidente sobre o fim das
trevas e o início das grandes navegações e dos novos mundos recém-descobertos:
As Américas do Norte, Central e do Sul.
Na segunda metade do século XX, nasceu a geração mais
livre e mais crítica da história humana. Uma geração que questionou com Erich
Von Daniken se os deuses eram astronautas. Uma geração que ouviu de John Lennon
a frase: Somos mais famosos do que Jesus Cristo. Uma geração que ousou, quebrou
regras, paradigmas, mudou hábitos, ensinou o diálogo com os pais, perguntou
onde vamos colocar nosso lixo - até então lançado em qualquer matagal - como
vamos morar uns em cima dos outros, pois os edifícios eram fenômeno mundial
havia 30 ou 40 anos, que roupas usaremos, que sociedade queremos (uma casa no
campo onde eu possa compor muitos rocks rurais), que educação necessitamos? Em
Paris a manifestação dos estudantes em Maio de 1968, aqui a Tropicália, nos
EEUU os protestos contra a guerra no Vietnã. Glauber Rocha e o cinema novo.
Hair e Jesus Christ Super Star. O perigo na guerra nuclear no Hemisfério Norte,
Luiz Gonzaga em Asa Branca no Hemisfério Sul.
Ernesto Geisel e o trem bala do Japão. Mortes e
torturas pelas ideias. Chico Buarque canta Reconstrução. Caetano fala da
piscina, margarina, da Carolina, da gasolina...
Eu vou ao Baturité e depois na Kizumba ouvir George
Benson cantar Lady Blue. When you show me a different side... Because I love
you more and more... Uma geração libertária
que queria um mundo melhor. Em 1981, o Senador Ted Kennedy discursava nos
jardins da University of Southern California e pedia aos governos americano e
soviético: Nuclear Freeze. Aqui, em 1984, dignos senadores organizavam o
movimento das Diretas Já.
O Brasil começa a viver a abertura política. As drogas
da década anterior, a maconha e o álcool, especialmente, são adicionados à
cocaína, depois ao ecstasy e ao crack final. Tudo fica punk.
Um sonho de paz e amor, do tamanho de uma geração,
santa geração é substituído pelo pragmatismo econômico que vem com a queda do
Muro de Berlin, 1989, e com o fim da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas.
Garotos focados (não sabem no que), ternos iguais com
gravatas sem cor, botões fechados próximos aos pescoços, executivos sem sonhos
coletivos que aprendem a roubar desde cedo.
Mobilidade urbana, modais, gestão otimizada, sushi
& sashimi, kite surf e narguilé. É muito pouco em troca de uma liberdade
que não terminava no horizonte, de um velho calção de banho, de um dia para
vadiar, de um mar que não tem tamanho e de um arco-íris no ar... Canta Vinícius
teu lindo mar de Itapoã, falar de amor Itapoã...
Sociedade de criatividade escassa, talentos
represados, contidos nas magníficas telas de PC. Diferente da bárbara bela tela
de TV que cantava Gilberto Gil.
Genética, profética, cibernética civilização. A cada
dia me despeço da vida. É muita coisa para guardar dentro do meu eterno peito
juvenil...
E a consciência da minha finitude estrangula minha
garganta.
Logo ela que tanto bradou.