Os manés, nossa
história e a arquitetura...
Marcos Bayer
Dia destes, assistia ao canal de TV exibindo programa sobre
as cidades europeias. E aí, não sei por que, imediatamente dividi meu cérebro em
duas partes: uma assistia ao programa e a outra revia Desterro até
Florianópolis, com imaginação e imagens reais que a memória permitia.
E aí então compreendi que mesmo sendo uma ilha de imigrantes
açorianos, gregos, libaneses, alemães, italianos e outras etnias, estamos
fadados aos alvarás de demolição.
O Coliseu, em Roma, se aqui fosse já teria sido demolido para
dar lugar a um estádio de futebol. A Torre de Pisa já teria sido escorada de um
lado e guinchada por cabos de aço no outro, na tentativa de verticaliza-la
novamente. Os laranjais de Sevilha, cuja sombra e aroma embelezam a Andaluzia,
já teriam sido substituídos por pequenos prédios como aconteceu na Trindade com
sua Festa da Laranja. As palmeiras tropicais foram transportadas para a Europa
a fim de adornar cidades nas bordas mediterrâneas. Aqui, o pau-brasil foi
ceifado até a inexistência. Cemitérios ingleses e catacumbas italianas, aqui
teriam sido, como foram, transformados em terrenos abandonados como a cabeceira
insular da Ponte Hercílio Luz.
Petiscos como calamari, azeitonas e doces gregos, tapas e tortilhas
espanholas, patês de foie gras e rins ensopados aqui se transformaram em
anchovas na chapa, vendidas como grelhadas, cujo azeite é uma emulsão
estimuladora do vômito, a cem reais o par, como estão à disposição no Pântano
do Sul. Ruas de paralelepípedo que legitimavam a praça XV, o Palácio Cruz e
Souza e outras construções, foram asfaltadas sobre o argumento de que a
trepidação prejudicaria as construções. Azulejos artesanais pintados à mão como
na Galícia, em Valência ou Óbidos em Portugal, aqui foram transformados no Porcelanato
60X60 cm vendidos nas melhores casas comerciais. A rica e miscelânea área
comercial da Rua Conselheiro Mafra, o Mercado Público e adjacências, foram
substituídos por lojas de produtos de gosto e preço duvidosos.
Salvamos a sede do Corpo de Bombeiros, a sede do Comando Militar,
a Igreja e o Orfanato e alguns casarios da Praça Getúlio Vargas. Inúmeras
residências nas principais avenidas como Trompowsky, Rio Branco, Mauro Ramos e
Hercílio Luz deram lugar aos prédios retos de janelas quadradas numa
arquitetura próxima do sufocante. Faltou Gaudi ou Calatrava. Ou Niemeyer quando
integrava a curva à reta. Carros de mola puxados por cavalos estacionados na
praça XV, como no Central Park de Nova York ou no Ringstrasse de Viena, de
valor turístico apreciável, aqui deram espaço aos táxis brancos cujas placas
pertencem aos vereadores.
E assim, poderíamos passar a noite fazendo paralelos entre o
azul, limpo e transparente Mar Mediterrâneo e nossas belíssimas praias
pigmentadas por coliformes fecais.
Nossas ostras são oxigenadas pelas águas das baías cuja
pureza só a Fatma pode atestar.
Então, sob o comando político de manés iletrados com curso superior em Organização
& Métodos, planejamentos intermináveis e reuniões inconsequentes vamos
perdendo os músicos que poderiam tocar pelas ruas, o Boi de Mamão, as festas
populares e religiosas substituídas pelos beach clubs de Jurerê onde os
marombados e as Marybundas tentam impor um novo padrão cultural. No extremo sul
da Ilha, para demonstrar que a crítica não é dirigida, temos a Praia dos Açores,
cujas ruas lajotadas assemelham-se às de Bagda, depois da ofensiva norte-americana.
O Prefeito vai à Disney, em férias, para mostrar aos seus a
Minnie e o Mickey. Paga R$ 4,6 milhões de reais pela festa e a transmissão dos
fogos que se queimam em vinte minutos de espetáculo inigualável em todo o
planeta. Florianópolis é a única cidade no planeta que festeja o Ano Novo de
forma pirotécnica. Haja originalidade! Os músicos locais que tocaram na Fenaostra
ainda não haviam recebido seus créditos junto ao Município. Aliás, a Fenaostra
deveria ser comemorada nos diversos restaurantes do Ribeirão da Ilha e num
espaço mais apropriado do que aquele Centro de Convenções, enclausurado na Baía
Sul, onde nem o por do sol se pode apreciar. Esqueceram-se das janelas num
rasgo de arquitetura cósmica.
Não sabemos quais os maiores devedores do IPTU, nem da
quadrilha que fraudava quitações tributárias na Prefeitura Municipal e, no
entanto, houve um aumento considerável do Imposto Territorial e Predial Urbano.
Votou-se um plano diretor cujos anexos até hoje estão
desanexados. Nesta balburdia, os principais responsáveis tratam-se respeitosamente
pela alcunha de Vossa Excelência.
A Ilha, tristemente, afasta-se da excelência que já
experimentou, para um momento de conurbação, onde as autoridades políticas
serão conhecidas pelo vulgo.
Esta tem sido a nossa sina...