Dopamina, a grande heroína da História!
Marcos
Bayer
Diz o médico que a dopamina está impregnada em nossas
cabeças há muito tempo. Milênios. Ela é a responsável pelas sensações de bem
estar nos seres humanos. Lá nos primórdios, as tarefas essenciais ao homem eram
três: (1) garantir a procriação e a preservação da espécie através do ato
sexual e suas decorrências de carícias e afetos, (2) a luta pela sobrevivência
abatendo a caça e ou capturando o pescado, (3) saciar a fome e a sede.
Nas três tarefas citadas, a dopamina atua diretamente
na memória, no movimento e no prazer.
Da procriação da espécie chegamos às concepções sobre
o amor ao longo da História. E o amor é objeto de busca dos humanos, pois ele
tem diferentes significados, entre eles a parceria, cumplicidade, desejo e
segurança emocional. É uma forma de reconhecimento, logo de prazer e bem estar.
Haja dopamina. (1)
A luta pela sobrevivência é o trabalho diário. Seja
matar o javali de outrora, seja criar a ovelha, o frango ou o suíno de agora.
Seja plantando as hortaliças ou as árvores frutíferas. É a tecelagem, é a tinta
na tela, a bota de couro, o anel de ouro, a impressão do livro, a lição na
escola, o toque na viola, o cantar e dançar no sertão. O homem medieval era
assim, múltiplo funcional. Construía sua própria casa com ajuda do vizinho, e
tinha ao longo do dia diversas tarefas sempre interagindo com a Natureza. Desde
a produção do mel ao queijo a granel. Sabia olhar para o céu e prever a chuva
ou o vendaval.
A Revolução Industrial (1826), quando a primeira
viagem de trem é feita entre Manchester e Liverpool, introduz, no Reino Unido,
mudanças radicais na vida social.
A fábrica isola o local da produção, define o produto,
equaliza habilidades, abafa a criatividade e cria como recompensa as férias, o
salário, o plano de saúde, a carreira profissional e a aposentadoria. Em 2026,
duzentos anos depois, o Uber já sinaliza, nada disto
existirá. O trabalhador somente terá a participação nos lucros da empresa.
Ou seja, em cada afretamento realizado o motorista
ganhará 20%, por exemplo, do lucro da empresa e nada mais. Férias, salários,
planos de saúde, seguro de vida e aposentadoria serão aspectos do mundo mecânico,
o mundo industrial. Haja mais dopamina. (2)
No exercício da profissão obtemos reconhecimento,
recompensa pecuniária e, de novo, o prazer e o bem estar. Mas, nem todos
conseguem esta satisfação, pois o homem medieval - multi funcional foi se
transformando num homem uni profissional e industrial.
Não por acaso os que fazem e contribuem para
transformações históricas são pessoas multi funcionais. Pela inquietação,
curiosidade e impaciência.
A mesma Revolução Industrial que precisou e precisa
preparar mão de obra específica para as exigências do mercado tratou de
burocratizar a Universidade. O que já foi um local de estudos universais, universitas,
transformou-se numa empresa de expedição de diplomas.
Na idade média, quando o aprendiz de qualquer
profissão, sapateiro, por exemplo, mostrava ser capaz de fazer um sapato como
fazia seu mestre, era chamado a ajoelhar-se perante este, e por ele recebia o
toque da espada, de ombro a ombro, passando sobre a cabeça, para então ser
reconhecido como mestre naquela arte ou ofício. O fazer era parte do saber.
Hoje, na academia, alguns escrevem de 500 a 1.000
páginas, citam outros 100 ou 300 autores para obterem o título de doutor. E
obtém. E, o que é pior, acreditam que são doutores.
Sócrates, Platão, Aristóteles, Leonardo Da Vinci,
Fernando Pessoa ou Charles Chaplin, não precisaram citar ninguém para
presentearem o mundo com suas obras. Tampouco Picasso, Dali ou Miró.
Conhecimento é intuição, observação, experimentação e,
eventualmente, comprovação.
O alfabeto tem 26 letras, são sete as notas musicais e
sete as cores na refração do prisma, além de dez dígitos numéricos. Isto quase
todos sabem. O problema é como organizar as 26 letras na literatura, as sete
notas musicais nas canções e as sete cores na pintura. A capa do long
play do Pink Floyd é genial por isto. The Dark side of the Moon (1973), mostra
as sete cores do prisma e as sete notas musicais. É aula de saber.
Ao saciar a fome e a sede, a dopamina responde
imediatamente. A tal ponto que pode inebriar, provocando a sensação de
relaxamento tão forte a ponto de induzir ao sono. Os alimentos
industrializados, empacotados ou engarrafados, modificam nossa percepção em
relação à alimentação.
Lá nos primórdios, dizem algumas teorias, quando
estávamos na África e nosso sangue era do tipo O negativo, éramos coletores
e caçadores. Éramos nômades. Esgotávamos os recursos naturais numa determinada
área e seguíamos para a próxima. Atléticos, corríamos e andávamos mais. Ou para
correr do leão ou para abater o búfalo.
Com a descoberta do trigo, sua manipulação com água e
sal, fizemos o pão. E, então, a vida passou a ser mais acomodada. Sentamos por
mais tempo. Sedentárias formaram-se novas povoações. Mais dopamina.
A agricultura e a domesticação de animais ajudaram na
construção das vilas, futuros burgos, consequentes cidades. Novos tipos
sanguíneos surgiram e do pão fez-se a massa e com ela a química humana
identificou os carbo-hidratos. Mais dopamina, mais bem estar. Mais
desenvolvimento cerebral, mais necessidade de recompensa cerebral.
Trabalho, sexo e alimentação são matrizes inerentes,
lógicas, necessárias e inevitáveis na caminhada humana. Delas derivam o mundo
subjetivo e dele surgem a fé, o amor, a honra, a dignidade e a política que vai
organizar o complexo jogo da vida humana associada.
Em todas estas atividades humanas está presente a
dopamina. E quando ela não está, as consequências são terríveis. A dopamina é o
combustível da vida humana plena. Sem dopamina, instala-se a depressão e outras
deficiências psico-neuro-emocionais.
Com a chamada modernidade, as facilidades
tecnológicas, a magnífica janela do computador, a telefonia, a cyber magia e a
pornografia, a dopamina tem outras gêneses. Não são mais aquelas três fontes
primárias.
Criamos uma nova patologia denominada cyber
dependency.
O uso de drogas, de todos os tipos e ao longo da
História, registra sem estatísticas, porém observável pela medicina, a
alteração em nossos cérebros.
O cérebro humano se reorganiza e as fontes geradoras
de dopamina são outras.
As drogas provocam a multiplicação da dopamina que é
fonte de prazer e, portanto, são provocadoras de mais desejos e de mais
quantidades para que produzam mais prazer e bem estar, indefinidamente.
É compreensível, portanto, que num mundo em que já não
se sente os efeitos da dopamina da forma primitiva: (1) pela realização do
trabalho como conquista e reconhecimento diário e ou (2) pela plena saciedade
da fome e da sede, que o ser humano vá buscar as fontes da dopamina em outras
bandas.
A dopamina é a grande heroína da História. Pelo menos
até agora!