domingo, 22 de março de 2020

O bichinho da morte







O bichinho da morte

Marcos Bayer

O ministro de saúde Luiz Henrique Mandetta recomenda à população uma reflexão, neste final de semana, sobre o Corona vírus e suas consequências.
Eu faço a minha e inicio pedindo um exercício de antecipação do futuro sobre a água potável e o mar. Recentemente na cidade do Rio de Janeiro vimos o que pode acontecer com o abastecimento depois de um surto de poluição nas nascentes e na bacia hidrográfica da região. Em Florianópolis, na Lagoa do Peri, fonte de abastecimento parcial para a Ilha, centenas de pessoas banham-se e provavelmente urinam no reservatório natural que deve ter uma determinada capacidade para suportar impurezas. (carrying capacity).
No mar, observamos imagens da quantidade de matéria plástica poluindo os oceanos, além da morte de animais, peixes e aves, que se alimentam destes resíduos. Em algum momento futuro encontraremos situações limites para tais questões.
Dito isto, vamos às pandemias. Ao longo da História ocorreram diversas. De maneira alegórica, até as Dez Pragas do Egito. Na Idade Média, vários surtos epidêmicos, muitos deles relacionados aos excrementos de animais pelas ruas dos burgos e alimentos apodrecidos nas feiras livres, não vendidos e deixados ao relento.
Os rios, grandes ou pequenos, foram transmissores de diversas pestes. Talvez ainda sejam...
A realeza europeia aliada à Igreja detinha grande parte do Capital até a Revolução Francesa. (1789). Ambos eram sustentados pela população de pequenos produtores agrícolas e criadores de animais domesticados. Sabe-se que nem a realeza, nem a Igreja trabalhavam na produção diretamente. Em troca dos tributos coletados nas vilas, cujo valor era estipulado pelo nobre senhor feudal, ofereciam proteção contra possíveis invasores e um lugar nos céus, respectivamente. Além da confissão e do perdão, alívios para a alma.
Importante deixar gravado que sempre foram os pequenos produtores agrícolas e artesãos (sapateiro, padeiro, ourives, ferreiro, construtores de casas e etc) que movimentaram a economia de forma mais rápida e eficiente. Mesmo com o advento da indústria surgida na Grã Bretanha, do tear até a locomotiva (1826), a linha Manchester até o porto de Liverpool para levar têxteis para o mundo, os pequenos produtores e comerciantes são imprescindíveis na cadeia produtiva. Nem as grandes corporações do século 21 são mais eficientes do que esta cadeia de pequenos produtores e comerciantes e sua capilaridade.
Com o fim da monarquia na França e o Iluminismo vigente, o nobre foi substituído pela elite nascente, chamada de burguesia, em razão da organização comercial dos burgos. Adam Smith (1776) propôs o liberalismo econômico confirmado por Hayek e Milton Friedman com seu famoso “não existe almoço grátis”.
Karl Marx (1848) dividiu a produção entre patrões e empregados, propôs a união destes últimos e salientou a necessidade de coletivizar os meios de produção (fábricas e etc).
Com a crise de 1929, o governador de Nova York, Franklin Delano Roosevelt, busca nas ideias de John Maynard Keynes a solução para tirar a América do buraco. O New Deal é a intervenção do Estado no processo econômico.
São destas três fontes que bebe o mundo.
A Europa, depois de duas guerras mundiais, apesar de algumas monarquias (Reino Unido, Espanha, Dinamarca, Noruega, Suécia e os Principados de Mônaco, Luxemburgo, Andorra e outros) soube se adaptar às relações entre capital e trabalho de maneira mais equânime. A Europa sentiu a fome, a miséria, a tortura, o estupro, a dilaceração dos corpos, a doença e desta tragédia surgiram governos mais equilibrados, onde a distancia entre a elite e o povo diminuiu. A social democracia foi responsável por parte disto.
A reconstrução europeia financiada pelo EEUU através do Plano Marshall mostrou que o Estado é a mola propulsora do desenvolvimento. O valor do Plano Marshall, atualizado, é de U$ 100 bilhões de dólares. O Brasil gasta com juros da sua dívida pública R$ 400 bilhões de reais por ano. Mas, junto com o Estado que ampara nas horas de crise, é preciso seriedade nos três pilares do poder. Executivo, Legislativo e Judiciário.
Não por acaso, a Europa é a melhor parte do mundo para se viver.
Educação de qualidade, assistência publica de saúde, segurança, lazer, cultura, arquitetura histórica preservada, gastronomia, bebidas de qualidade, sistemas de transporte público, rodovias, ferrovias e aerovias, navegação de cabotagem e turismo.
Guernica de Picasso que estampa os horrores da Guerra Civil Espanhola está em Madrid. A Colheita de Van Gogh que retrata a fartura está em Amsterdam. Os dois lados da vida...
Existem corrupção politica, negociatas, fraudes e grandes assaltos na Europa. Existe violência doméstica. Sim, existe tudo isto. Mas existe um sistema judiciário que pune a todos.
Pois bem, voltemos ao Brasil e ao bichinho da morte. O Corona vírus não é tão letal quanto foram as duas guerras mundiais. Não é tão feio quanto foram as imagens daquelas guerras. Não será mais trágico do que Nagasaki ou Hiroshima.
O Brasil elegeu um novo presidente em 2018, depois de passar a limpo uma parte da sua História. Diversos membros de partidos políticos saquearam empresas públicas em consórcio com empresas privadas. A operação Lava a Jato mostra isto. A elite saqueou o povo.
Quem é a elite? São os que governam ou governaram, julgam ou julgaram, legislam ou legislaram. Parte desta elite, aliada a setores empresariais, é podre. Diria até que parte da mídia também é podre. Os donos do Capital formam as elites e pagam seus representantes políticos.
O Brasil não sofreu guerras, nem grandes catástrofes ou mortandades. Sofreu ditaduras. Sofreu.
De repente aparece o Corona vírus em escala mundial e chega ao país. Instala-se no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional.
Começa seu ataque pelas elites. Numa rapidez fulminante o governo monta um gabinete de guerra elogiável, cria-se em 48 horas um sistema de votação à distância para aprovação senatorial da situação de calamidade pública e a mídia bombardeia com as medidas dos governadores.
O bichinho da morte pode estar em qualquer lugar, inclusive no centro do poder.
Quando ocorre uma tragédia como em Brumadinho - MG, fazem sobrevoos, batem fotografias e liberam alguma verba pública.
É o que a elite pode fazer. E o povo que fique entregue à sua própria sorte. Até hoje procuram pelos corpos...
O ministro da economia anuncia uma ajuda de R$ 200 reais por mês para os “autônomos” que ficarão sem renda durante a crise.
Ele mesmo admite, são 38 milhões de autônomos mais 11 milhões de desempregados. Temos quase 50 milhões de brasileiros a ver os navios da elite. Isto é um quarto da população.
E são estes autônomos que movimentam a base da economia, como já vimos anteriormente. A indústria não reagirá se não houver compradores. E os compradores surgem com os autônomos.
Mesmo o setor público poderá sofrer revezes salariais. Isto aumenta a dificuldade da recuperação econômica.
Nós perdemos o ano de 2019, inteiro, para aprovar um regime de previdência que tirou de quem já teria pouco para ter menos ainda.
Os juros, amortização, rolagem e despesas financeiras da dívida pública consomem 50,7% do orçamento de 2020. Ou seja, a metade. A elite retirou dinheiro da previdência para poder honrar a dívida pública e a banca. As carreiras de Estado continuam com seus regimes integrais, mas quem paga a previdência deles é o trabalhador autônomo, esse que vai receber R$ 200 reais na crise.
Voltando ao ministro Mandetta, espero que a reflexão seja mais intensa nas elites, pois se não for por compaixão, será por compulsoriedade.
Pois se o sistema quebrar ou quando quebrar, os que mais perdem são os que mais têm. As elites!








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