terça-feira, 23 de outubro de 2012

Tropicália


A tropicália, a canalha e o fio da navalha...
Marcos Bayer

Nos cinemas do Brasil, a Tropicália, documentário de Marcelo Machado sobre este movimentado estado de espírito que envolveu o país a partir de 1967 com os festivais da canção da TV Record e depois da TV Globo, varando o AI 5 de 13 de dezembro de 1968 e terminando em seguida com o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil em Londres. Vários fazem parte deste vendaval de criatividade poética, política e musical. Chico Buarque, Tom Zé, Elis Regina, MPB 4, Nara Leão, Quarteto em Cy, Wilson Simonal, Edu Lobo, Gal, Bethania, Marcos e Paulo Sérgio Vale, os Mutantes e muito mais...
Da mesma forma que a música brasileira ampliava, crescia e inovava; na mesma época a política inspirava.
Caetano e Gil aprendiam a falar e a cantar em inglês. O básico para quem queria saber do mundo de então. Rita Lee Jones já sabia. Looking for flying saucers in the Sky. Chico Buarque, em Roma, estudava e preparava seu futuro Calabar.
Crescia a relação e a construção entre a música, a poesia e a política. Havia um clima de conspiração permanente. Quanto mais a ditadura batia, mais o Glauber Rocha berrava. Chico, genialmente, resume a opressão.
Amou daquela vez como se fosse a última. Beijou sua mulher como se fosse a última. E cada filho seu como se fosse o único. E atravessou a rua com seu passo tímido. Subiu a construção como se fosse máquina. Ergueu no patamar quatro paredes sólidas. Tijolo com tijolo num desenho mágico. Seus olhos embotados de cimento e lágrima. Sentou pra descansar como se fosse sábado. Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe. Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago. Dançou e gargalhou como se ouvisse música. E tropeçou no céu como se fosse um bêbado. E flutuou no ar como se fosse um pássaro. E se acabou no chão feito um pacote flácido. Agonizou no meio do passeio público. Morreu na contramão atrapalhando o tráfego...
A Tropicália deixou a semente fértil que gerou Dancing Days e as Frenéticas e foi até Cazuza, o último gênio de uma fase extinta.
Te pego na escola e encho a tua bola com todo o meu amor. Te levo pra festa e texto o teu sexo com ar de professor. Faço promessas malucas, tão curtas quanto um sonho bom. Se eu te escondo a verdade baby, é pra te proteger da solidão. Faz parte do meu show, faz parte do meu show meu amor... Confundo as tuas coxas, com as de outras moças... Te mostro toda a dor, te faço um filho, te dou vida, pra te mostrar quem sou... Vago na lua deserta, das pedras do Arpoador... Digo "alô" ao inimigo, encontro um abrigo no peito do meu traidor...
Faz parte do meu show, faz parte do meu show, meu amor... Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou... Vivo num clip sem nexo. Um pierrô-retrocesso. Meio bossa nova e rock 'n' roll... Faz parte do meu show. Faz parte do meu show, meu amor...
Não por acaso, aos setenta anos, Gil e Caetano assistem grisalhos ao vento alegre do sul com perfume de rosa azul que foram capazes de soprar e respirar.
Na política, um movimento democrático brasileiro – MDB, tão envolvente quanto a Tropicália, tomou corpo e depois o poder. O que sobrou em Santa Catarina foi o Jaison Barreto, verdade seja dita e homenagem seja rendida...
O caso catarinense, uma desgraça. Primeiro a rigidez e honestidade de Pedro Ivo Campos, enquanto a ponte, em construção, sangrava dinheiro público. Depois o Paulo Afonso, as letras e as comissões. Por último, em dose dupla, Luiz Henrique Silveira e a CELESC x Monreal, a CASAN e os lucros divididos na diretoria, o metro de superfície, a ponte Hercílio Luz restaurada, os mágicos do Marrocos e a mamada publicitária.
Tanta pobreza para quem se dizia íntegro, honesto e democrata. Foram, em maior ou menor grau, cópias precárias do Lula. Não do ponto de vista intelectual. Estavam acima. Mas, do ponto de vista moral. Estavam abaixo.
A cena mais caricata deste MDB que virou PMDB por força legal, é o seu tesoureiro estadual, telefonista de hotel, vereador e cozinheiro frequentando o Clube dos Gourmets, dos ex-adversários. Um laranja, uma testa alaranjada que jogava nos dois lados. Ou nos três, se precisasse...
A esquerda catarinense, afora alguns iluminados, sempre foi muito brega e falso-moralista. Marlene Rica é só um exemplo grotesco. No fundo queriam o conforto da burguesia, um dinheirinho no banco e um pouco do charme de Paris. No começo, quando não tinham grana, compravam via Paraguay.
Se a Tropicália deixou tantos frutos, tanta imagem e cor, poesia e dor, a política da esquerda, por outro lado, no mesmo período, salvo as exceções que sabemos quais, foi só enganação, rancor, adesismo e fraude.
A prova cabal é o resultado destas eleições municipais, nas maiores cidades de Santa Catarina. Vamos eleger uma coleção de jovens cujo preparo intelectual está longe daquilo que Gil cantou:
Se oriente rapaz pela constelação do Cruzeiro do Sul... Considere rapaz a possibilidade de ir ao Japão no cargueiro do Lloyd lavando o porão... Determine rapaz onde vai ser seu curso de pós-graduação...
A esquerda catarinense não foi competente para criar uma escola. Por uma simples razão: Nunca teve mestres na política...

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