A tropicália, a canalha
e o fio da navalha...
Marcos Bayer
Nos cinemas do Brasil, a Tropicália, documentário de Marcelo
Machado sobre este movimentado estado de espírito que envolveu o país a partir
de 1967 com os festivais da canção da TV Record e depois da TV Globo, varando o
AI 5 de 13 de dezembro de 1968 e terminando em seguida com o exílio de Caetano
Veloso e Gilberto Gil em Londres. Vários fazem parte deste vendaval de
criatividade poética, política e musical. Chico Buarque, Tom Zé, Elis Regina,
MPB 4, Nara Leão, Quarteto em Cy, Wilson Simonal, Edu Lobo, Gal, Bethania,
Marcos e Paulo Sérgio Vale, os Mutantes e muito mais...
Da mesma forma que a música brasileira ampliava, crescia e
inovava; na mesma época a política inspirava.
Caetano e Gil aprendiam a falar e a cantar em inglês. O
básico para quem queria saber do mundo de então. Rita Lee
Jones já sabia. Looking for flying saucers in the Sky. Chico Buarque, em Roma, estudava e
preparava seu futuro Calabar.
Crescia a relação e a construção entre a música, a poesia e a
política. Havia um clima de conspiração permanente. Quanto mais a ditadura
batia, mais o Glauber Rocha berrava. Chico, genialmente, resume a opressão.
Amou daquela vez como se fosse a última. Beijou sua mulher
como se fosse a última. E cada filho seu como se fosse o único. E atravessou a
rua com seu passo tímido. Subiu a construção como se fosse máquina. Ergueu no
patamar quatro paredes sólidas. Tijolo com tijolo num desenho mágico. Seus
olhos embotados de cimento e lágrima. Sentou pra descansar como se fosse sábado.
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe. Bebeu e soluçou como se fosse
um náufrago. Dançou e gargalhou como se ouvisse música. E tropeçou no céu como
se fosse um bêbado. E flutuou no ar como se fosse um pássaro. E se acabou no
chão feito um pacote flácido. Agonizou no meio do passeio público. Morreu na
contramão atrapalhando o tráfego...
A Tropicália deixou a semente fértil que gerou Dancing Days e
as Frenéticas e foi até Cazuza, o último gênio de uma fase extinta.
Te pego na escola e encho a tua bola com todo o meu
amor. Te levo pra festa e texto o teu sexo com ar de professor. Faço promessas
malucas, tão curtas quanto um sonho bom. Se eu te escondo a verdade baby, é pra
te proteger da solidão. Faz parte do meu show, faz parte do meu show meu
amor... Confundo as tuas coxas, com as de outras moças... Te mostro toda a dor,
te faço um filho, te dou vida, pra te mostrar quem sou... Vago na lua deserta,
das pedras do Arpoador... Digo "alô" ao inimigo, encontro um abrigo
no peito do meu traidor...
Faz parte do meu show, faz parte do meu show, meu
amor... Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou... Vivo num clip
sem nexo. Um pierrô-retrocesso. Meio bossa nova e rock 'n' roll... Faz parte do
meu show. Faz parte do meu show, meu amor...
Não por acaso, aos setenta anos, Gil e Caetano assistem
grisalhos ao vento alegre do sul com perfume de rosa azul que foram capazes de soprar
e respirar.
Na política, um movimento democrático brasileiro – MDB, tão
envolvente quanto a Tropicália, tomou corpo e depois o poder. O que sobrou em
Santa Catarina foi o Jaison Barreto, verdade seja dita e homenagem seja
rendida...
O caso catarinense, uma desgraça. Primeiro a rigidez e
honestidade de Pedro Ivo Campos, enquanto a ponte, em construção, sangrava
dinheiro público. Depois o Paulo Afonso, as letras e as comissões. Por último,
em dose dupla, Luiz Henrique Silveira e a CELESC x Monreal, a CASAN e os lucros
divididos na diretoria, o metro de superfície, a ponte Hercílio Luz restaurada,
os mágicos do Marrocos e a mamada publicitária.
Tanta pobreza para quem se dizia íntegro, honesto e
democrata. Foram, em maior ou menor grau, cópias precárias do Lula. Não do
ponto de vista intelectual. Estavam acima. Mas, do ponto de vista moral.
Estavam abaixo.
A cena mais caricata deste MDB que virou PMDB por força
legal, é o seu tesoureiro estadual, telefonista de hotel, vereador e cozinheiro
frequentando o Clube dos Gourmets, dos ex-adversários. Um laranja, uma testa
alaranjada que jogava nos dois lados. Ou nos três, se precisasse...
A esquerda catarinense, afora alguns iluminados, sempre foi
muito brega e falso-moralista. Marlene Rica é só um exemplo grotesco. No fundo
queriam o conforto da burguesia, um dinheirinho no banco e um pouco do charme
de Paris. No começo, quando não tinham grana, compravam via Paraguay.
Se a Tropicália deixou tantos frutos, tanta imagem e cor,
poesia e dor, a política da esquerda, por outro lado, no mesmo período, salvo as
exceções que sabemos quais, foi só enganação, rancor, adesismo e fraude.
A prova cabal é o resultado destas eleições municipais, nas
maiores cidades de Santa Catarina. Vamos eleger uma coleção de jovens cujo
preparo intelectual está longe daquilo que Gil cantou:
Se oriente rapaz pela constelação do Cruzeiro do Sul...
Considere rapaz a possibilidade de ir ao Japão no cargueiro do Lloyd lavando o
porão... Determine rapaz onde vai ser seu curso de pós-graduação...
A esquerda catarinense não foi competente para criar uma
escola. Por uma simples razão: Nunca teve mestres na política...
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